O mundo da animação em computação gráfica hoje em dia se expande entre mil e uma empresas ao redor do globo. As duas grandes vindas dos Estados Unidos, porém, são a Dreamworks e a Disney (que abrange tanto as animações do próprio conglomerado como as da Pixar). A primeira faz filmes direcionados para crianças, mas surpreende com frequência ao criar tramas com temas incomuns para os pequenos. Uma das primeiras surpresas foi com este Kung Fu Panda.
Em um mundo de animais falantes, o kung fu é representado por animais que lutam com estilos diferentes. Uma ameaça de outrora ao templo ressurge na figura de Tai Lung (voz do Ian McShane), antigo aprendiz do mestre Shifu (voz do Dustin Hoffman). Para salvar a todos, o mestre Oogway (voz do Randall Duk Kim) sente a presença do dragão guerreiro, um lutador de kung fu profetizado a trazer paz à China. Para a surpresa de todos, o escolhido não é nenhum dos cinco furiosos, famosos estudiosos do templo, mas o panda Po (voz do Jack Black). Ele é filho do vendedor de macarrões da cidade e nunca teve lugar entre as artes marciais por ser comilão, gordo e desajeitado.
A franquia do panda que descobre os segredos das artes marciais a cada nova ameaça que aparece é feita para crianças com montes de piadas sobre obesidade e falta de jeito. Não tem humor dúbio ou pensado exclusivamente para divertir os pais que acompanham os filhos. Mas, ao mesmo tempo, Kung Fu Panda é uma homenagem aos filmes do gênero de wuxia (que significa herói marcial em chinês) e às filosofias budistas relacionadas aos estudos de monges shaolin. É uma obra para passar as reflexões da cultura chinesa antiga para crianças.
O roteiro escrito a quatro mãos segue muitos dos conceitos clássicos da jornada do herói. Desde o personagem de vida “humilde” que pode ser a salvação de todo um povo, com direito a mestres, ajudantes, antagonistas e auto descoberta. Os escritores começam a produção com piadas sobre obesidade. Po nunca poderá ser um mestre enquanto for só um Panda fora de forma. Mas, na linha das filosofias shaolin, kung fu é mais que uma arte física. É sobre ser quem a pessoa já é, mas com fluidez, habilidade e o máximo das capacidades pessoais. Isso inclui até as características que são vistas como defeitos em Po.
Outra questão colocada em pauta na fita é paternidade e legado. Po é filho do vendedor de macarrão e não quer levar aquela vida para sempre. Quando é indicado como dragão guerreiro, precisa ser aceito por Shifu, que já passou por muitas experiências paternas negativas e tem que viver à altura do legado de Oogway, que é, de certa forma, um pai para ele. O legado de Po é um misto de tudo. Para conseguir superar os desafios, ele vai precisar dos ensinamentos de cada uma das três representações de pais e avôs. Ao mesmo tempo, o filme também é sobre Shifu, que precisa superar os fracassos passados para se tornar o mentor de sucesso do grande guerreiro que Po deve ser.
Em um desenho isso poderia ser resumido a situações bobas e previsíveis, mas todas essas questões são tratadas com uma sutileza surpreendente. Po só cria coragem para continuar o treinamento por conta de uma dica de Oogway que quase passa despercebida. A trama nunca faz questão de tornar óbvio como o pai de Po é importante para completar os ensinamentos de Shifu. A única parte explicitada se dá quando os personagens precisam explicar para o panda a história do mestre com Tai Lung e como isso o fez ser mais frio e duro com os outros aprendizes dele.
Os diretores Mark Osborne e John Stevenson conectam as cenas com raccords em que formas e objetos se conectam. É um estilo inteligente que realça a bela estética visual estabelecida através das cores quentes da cultura chinesa. Os usos do elaborado estudo de caligrafia, dos pessegueiros e dos comportamentos geram momentos de grande beleza, como a despedida entre Oogway e Shifu.
No geral, porém, Kung Fu Panda é sobre este filho com três pais e sobre um pai que precisa retomar a fé em si mesmo. A sabedoria chinesa dá um tempero a mais para essa mistura. Infelizmente, a estrutura linear e o humor infantil não abre muito espaço para que os adultos se entretenham tanto. Ainda assim, a complexidade dos conflitos é suficiente para conduzir a fita com qualidade. Uma obra que faz jus ao gênero que quer homenagear.
FANTASTIC…