Algo que sempre definiu e sempre definirá a experiência humana é a noção de que tudo termina. E se isso assusta desde os cinco anos de idade, quando a maioria das pessoas compreende que vai morrer, imagine na casa dos 90 anos quando a iminência da morte é ainda mais evidente. Se a abordagem já tem muita força, ganha ainda mais destaque neste, que é o último filme da carreira do ator veterano Harry Dean Stanton, que morreu em setembro deste ano.
Ele dá vida a Lucky, um senhor que vive sozinho em uma cidade de interior no sul dos Estados Unidos. Após uma queda em casa, ele passa a recear a morte por conta da velhice. Entre pequenos encontros, ele questiona a relevância das experiências de vida e de si mesmo.
Entra em cena um trio debutante de realizadores. Os atores John Carroll Lynch, Drago Sumonja e Logan Sparks assumem as cadeiras de diretor e de roteiristas respectivamente pela primeira vez. E no próprio texto já deixam claro o viés pelo qual conduzirão as reflexões de Lucky. A noção da palavra realismo.
Enquanto tenta completar um jogo de palavras cruzadas, ele descobre que a palavra fala sobre como a realidade pode ser subjetiva. Parece um momento simples e desconexo, mas a cada pequeno encontro tão simples quanto, é construída uma analogia para que Lucky chegue a uma conclusão.
Mas existe uma beleza na forma com que o trio de realizadores constrói a ambientação. Os diálogos seguem um ritmo lento, que acompanha a velocidade reduzida com que pessoas idosas falam e se movem. E o elenco entrega exatamente como é necessário. Especialmente Dean Stanton, que anda com o pé esquerdo levemente mais aberto, o que faz com que ele precise ser cuidadoso com as passadas para não se desequilibrar.
Ele ainda ganha as bem vindas companhias de David Lynch (sim, o diretor), Tom Skerritt, Beth Grant e James Darren. Eles não apenas reforçam esse ritmo com as interpretações, como também preenchem os personagens idosos com personalidades diversas. Desde o casal que ainda mantém a jovialidade do romance de anos, passando pelo veterano de guerra que viu horrores que o assombram, até chegar ao senhor que sente falta do cágado que tinha como companhia.
Para reforçar o estilo do texto, Carroll Lynch usa câmeras estáticas pelas quais Lucky passa lentamente. Como se ele fosse apenas uma lembrança passageira em um cenário que nunca se altera. Além disso, ele repete os ângulos para os dias da rotina do personagem, o que reforça a sensação de que ele não tem mais efeito no mundo ao redor.
O diretor também usa a cor vermelha como uma representação visual da finitude. Ela aparece pela primeira vez no mostrador de relógio que preenche o rosto de Lucky antes que ele caia em casa. Depois, ela está nos objetos e na iluminação quando ele confronta a ideia diretamente.
Lucky é uma boa surpresa, que conta uma história com estrutura completa de cinco atos clássica de cinema apenas com momentos que parecem desconexos, mas que, na verdade, são alegorias importantes sobre o que se passa na cabeça do protagonista. Por outro lado, também é uma produção difícil de assistir por conta da lentidão e da sutileza narrativa.