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Malévola

MALEFICENT
Malévola chegou até mim se vendendo de todas as formas negativas possíveis. O material promocional o vendia como veículo para a Angelina Jolie, atriz que não me desperta muita empatia. Pior, ela estava no papel da vilã mais superficial da Disney. Do desenho que menos gosto. Quanto mais eu via sobre o filme, mais tinha certeza de que não iria gostar. Felizmente, ele seguiu um caminho completamente diferente do esperado.

Malévola é a fada mais poderosa do reino dos seres mágicos. Traída por um humano, ela resolve se vingar lançando uma maldição na filha dele. Mas, para garantir que sua vingança será completa, ela é obrigada a vigiar a criança enquanto a maldição não se concretiza.
O que mais incomodava na promoção de Malévola é o fato de que tratava o filme como uma recriação séria e realista da animação clássica. Era um ponto de vista criado com o objetivo de chamar a atenção do público que deu todo aquele dinheiro para Branca de Neve e o Caçador. Mas o filme segue outra premissa. Ao invés de ser sério e “realista”, Malévola é infantil. Literalmente, todo o universo em que o mundo do filme existe é infantil. As falas, as interações, os pontos de vistas. E, tirando os momentos de exagero, funciona muito bem.
As pessoas são ingênuas, positivas e falam seguindo uma simplicidade que explicita isso. O vilão faz suas “maldades” por conta de um objetivo muito simples. Um dos reis da trama busca guerra contra o povo mágico porque tem medo, simplesmente. Malévola é enganada porque simplesmente não vê maldade. Quando passa a ser consumida por rancor, não consegue deixar de ver simplicidade na forma de agir e é direta. Parece bobo, mas na verdade é muito adequado para crianças.
Passa a ser um problema quando um voice-over fica narrando a história e aparece nos momentos mais inoportunos para explicar exatamente o que acabou de ser mostrado na mise-en-scène. Essa repetição constante de explicação para tudo deixa o segundo ato um pouco arrastado em certa parte, quando o filme apresenta de novo e de novo como se dá a interação de Malévola com a criança.
Visivelmente, o filme é lindo. Colocar um designer de efeitos especiais como o Robert Stromberg para dirigir um conto de fadas é garantir visuais esplendorosos. A direção de arte é impressionante em sua beleza. Somada a uma fotografia cuidadosa na representação de cada elemento resulta em imagens belíssimas através de toda a produção. Porém, tanto esforço na construção desses visuais causa um abuso da computação gráfica e gera um desconfortável senso de irrealidade. Nas cenas movimentadas, em quadros abertos, os efeitos são primorosos, mas quando fecha para closes dos atores parece que eles não estão inseridos na situação. Porém, na hora de revelar os personagens naquele mundo em situações mais calmas, impressiona como os efeitos digitais interagem com as coisas físicas. Detalhe em especial para uma cena na qual Aurora toca a cabeça de um animal fantástico.

08-maleficentMalévola ao lado de seu corvo digital. Efeitos impressionantes.

Por outro lado, Stromberg fica tão focado em mostrar visuais bem construídos que se esquece de ambientar as cenas. Lá pelas tantas, o filme repete novamente uma ambientação ao revelar apenas o contorno de Malévola com contraluz. Daí, mais uma vez, a Angelina Jolie anda para dentro de um feixe de luz para revelar novamente seu rosto. Parece apenas tolice considerando que seu rosto foi apresentado lá no começo da produção. Não é preciso apresentá-la de novo. Pode ser apenas parte da intenção de dar destaque para a Angelina Jolie, mas incomoda.
É um problema sério, como o foco tem que ser a personagem mesmo em cenas que seguem outros, muitas vezes o espectador é obrigado a assistir ao rosto da Angelina Jolie observando alguma coisa. Considerando que em grande parte do filme ela está interpretando contra nada, de vez em quando ela apenas mexe o rosto para um lado ou para o outro olhando pra alguma coisa. Em meio a takes do tipo, muitas vezes fica impossível dizer onde os personagens estão em relação aos outros em um local.
O trunfo do filme se encontra na construção dos personagens. Considerando que a motivação da Malévola em A Bela Adormecida é não ter sido convidada para uma festa, praticamente qualquer coisa é um avanço. Esse avanço começa muito mal. Malévola é uma fada boazinha, então passa pelo clichê da enganação romântica e vira a bruxa que todos conhecem. Parece uma repetição de conceitos já exauridos, mas tanto o roteiro quanto Jolie garantem com que a personagem seja muito mais profunda que apenas uma rancorosa tola.
O mesmo pode ser dito do personagem Stefan. Apesar de ser um vilão típico, existe um desenvolvimento paralelo dele ao da Malévola. O filme é basicamente uma representação da deturpação daquelas duas pessoas que começaram tão ingênuas. Ele a fez repelir o amor por conta de sua enganação e ela destruiu o amor que ele veio a construir para si através da vingança. É a dor levando a mais dor, e dois personagens muito bem representados no meio disso. O que também faz com que todos os outros personagens pareçam profundos feito uma folha de papel.

Maleficent-(2014)-47Sharlto Copley como Stefan. Da confusão à paranóia.

O roteiro consegue inserir todas essas tramas dentro da história original sem alterar muitas coisas. E faz isso de forma muito esperta, sem nunca perder o foco narrativo nem ser ilógico. Tudo se encaixa e, apesar dos eventuais furos de roteiro, parece fazer sentido como um todo. É um ótimo trabalho da Linda Woolverton, que escreveu diversos dos ótimos desenhos da década de 1990 realizados pela Disney.
Se Jolie acerta na hora de mostrar essa Malévola perturbada e cuidadosa com o contato alheio, quando precisa mostrar a personagem antes de se tornar má ela não parece saber o que fazer. Ao contrário dela, Sharlto Copley alcança todas as complicadas emoções de seu Stefan. A princípio dividido entre o sonho e o carinho por Malévola, ele parece estar realmente triste por magoá-la, abrindo espaço até para uma possível análise de que ele estava tentando salvá-la. Mais tarde, ele demonstra como poucos a face de um homem que se perdeu dentro do próprio desespero.
Sam Riley faz um interessantíssimo corvo transformado em homem, dono de uma sabedoria vinda da humildade. Riley consegue agregar bastante honestidade aos momentos mais ingênuos, parecendo realmente estar feliz ou triste ao olhar para o nada. Elle Fanning já se provou ser uma grande atriz, mas seu talento é desperdiçado com a Aurora, a princesinha feliz e sorridente que nunca fica triste e nem demonstra muitos sentimentos. Ainda assim, ela revela essa constante ingenuidade com eficiência. A tristeza fica em ver atrizes do calibre da Imelda Staunton e da Juno Temple fazendo duas das estúpidas fadas coloridas que criam Aurora.
Malévola consegue acrescentar muita profundidade a uma obra problemática. Com direito a boas representações que respeitam praticamente toda a estrutura da obra original. Pode ser muito ingênuo e até bobo, mas é apenas resultado de um filme infantil. Porém, como obra para as crianças, é muito bom.
 
GERÔNIMOOOOOOO…

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