Para os curiosos, Mare Nostrum foi o termo usado pelos romanos antigos para falar do domínio que possuíam sobre o mar mediterrâneo, área do oceano que divide a Europa, a África e a Ásia. Não é à toa que, logo na cena de abertura, um homem negro e um descendente de japoneses se encontrem para discutir a venda de um terreno em Praia Grande, cidade do interior de São Paulo.
Essa compra é o mote para que Roberto (Silvio Guindane), filho do homem negro que adquiriu o terreno, parta em busca do lote para vendê-lo e quitar várias dívidas. O problema é que a escritura nunca foi passada para o pai legalmente em cartório. Enquanto parte em busca do contrato, ele e a filha descobrem que o espaço é mágico e concede desejos a quem está nele.
Agora é uma corrida para garantir a propriedade uma vez que Mitsuo (Ricardo Oshiro), descobre que o terreno ainda está no nome do pai e ele também tem dívidas para pagar. Deveria, então, começar uma comédia com doses de drama familiar enquanto esses dois se unem e aprendem juntos, o valor das famílias que já têm, ao invés do dinheiro que acham que precisam.
No entanto, o diretor e roteirista Ricardo Elias (que escreveu o texto junto com Eneas Carlos e Claudio Yosida) quer fazer um filme lento, que trabalha os dramas dos dois homens quase como em um estudo de personagem. Assim, ele toma o tempo necessário para, cuidadosamente, apresentar cada trama e, eventualmente, a magia da história.
Assim, com 1 hora de projeção, um dos personagens descobre o poder do lote. Com 1h10, todos passam a acreditar e resolvem viajar juntos. Com 1h20, Roberto e Mitsuo têm o primeiro (e único) diálogo de choque entre os personagens que os fará desenvolver para a solução final. Com 1h40, a sessão acabou.
O que faz com que o longuíssimo primeiro ato pareça arrastado com a pouca história que apresenta. O que já incomodaria por si só, piora com as pontas soltas que não levam a nada. Mesmo a magia do terreno serve à narrativa apenas para que os personagens corram atrás do contrato. Eles nunca usam o poder para nada.
Há também o momento em que a filha de Roberto escuta por uma porta que ele pretende voltar para a Espanha assim que conseguir dinheiro. Na próxima cena com os dois, a trama está resolvida. Em outra cena é dito que a irmã de Mitsuo precisa de dinheiro, e nunca é revelado se ele a ajudou ou não com o fim da história.
O elemento fantástico e familiar remete a um filme infantil, mas o ritmo e o tom da história não condizem com isso. A direção indica um mergulho nos dramas pessoais, mas ninguém expressa sentimentos e as cenas não os exploram. Durante o primeiro ato, vê-se apenas cenas de explicação.
Explicação sobre burocracia imobiliária; sobre o mercado jornalístico na Europa; sobre o tsunami na Ásia (a história se passa em 2011), sobre a necessidade de um computador de R$ 20 mil para que Mitsuo volte a trabalhar como designer e sustente a família. É um filme que constrói muito e entrega pouco.
E os dedos das mãos não são suficientes para contar os outros defeitos técnicos. Tem as cenas de viagem de carro, em que é possível notar problemas nos recortes dos atores em um fundo verde. Em certo ponto, a bochecha de um deles parece ter um buraco, porque o recorte foi mal feito na pós-produção.
A direção de arte não é coerente. O primeiro presente que Roberto recebe do lote mágico vem por meio do pai, enviado há anos, enquanto o dela é da mãe, que estava viajando. Mesmo com as diferenças de contexto e tempo, as embalagens são iguais, com a mesma corda, e com um envelope escrito com a mesma letra.
Mesmo que exista um esforço em criar um ambiente de tonalidades fracas para dar uma sensação de personagens presos ao passado, detalhes como esse demonstram uma falta de cuidado com a narrativa. O que é reforçado pela montagem, que não se esforça em garantir que os atores estejam nas mesmas posições quando corta entre enquadramentos de uma cena.
E os atores, por melhor que sejam, atuam no mesmo tom, mesmo que todos os personagens tenham personalidades muito diferente. Isso porque parece que a direção de interpretação é que cada fala seja dita com cuidado na entonação de cada sílaba.
As duas melhores atuações ficam justamente com o Ailton Graça, que aparece por menos de cinco minutos como o pai de Roberto, e com uma atriz coadjuvante que faz uma ponta como uma mulher que fala com trejeitos de outras regiões. Então ela ganha a liberdade de criar a personagem como quiser.
O que tem qualidade é a ótima fotografia, que usa de imagens estáticas para construir uma sensação de que os personagens estão presos nas condições e não percebem a beleza do que têm ao redor. Mas nem isso salva uma produção capenga, com um roteiro infantil, mas com pretensão de ser algo mais maduro. No meio do caminho, não é um, nem outro.