Uma das maiores dádivas da vida, como muitos descrevem a experiência de ter filhos, parece desperdiçada quando se descobre histórias de pais que abandonam ou tratam mal as crianças. O tópico ganha ainda mais relevância ao discutir o fato de que os menores serão, eventualmente, os cidadãos adultos de amanhã. O que faz com este Meu Anjo já chegue com importância e coragem.
A educação de Elli (Ayline Aksoy-Etaix) é das mais problemáticas sob os cuidados da mãe, Marlène (Marion Cotillard). Alcoolista, ela não consegue manter nenhum relacionamento sem querer festejar, beber e se envolver com qualquer cara bonito que entre no caminho. O que causa uma impressão muito forte na filha de menos de dez anos.
Em uma balada, Marlène percebe que a filha a copia e bebe os restos dos copos dela. Preocupada e interessada em ir embora com um cara rico, ela manda Elli de volta para casa sozinha e desaparece. Nem a garota, nem os vizinhos e nem os amigos mais próximos conseguem contatá-la. Com essa premissa, a diretora e uma das roteiristas, Vanessa Filho, revela as consequências dessa infância em perigo.
Então não há pudor em revelar os momentos em que Elli bebe desde vinho, uísque e cerveja, até as cenas em que ela chega de ressaca na escola e tenta seduzir um adulto ao imitar os trejeitos de flerte da mãe. É duro, mas é uma realidade plausível para uma criança que vê a figura exemplar se embriagar o dia inteiro para ficar feliz, porque está sempre triste ou irritada na sobriedade.
Vanessa, inclusive, faz questão de filmar com câmera tremida com muitos closes. A intenção é passar a sensação de realidade com uma estética documental, como se as situações fossem capturadas por câmeras escondidas em um estudo de Elli. Esse choque nas imagens, porém, perde força porque a diretora se repete demais.
O desaparecimento de Marlène, que dá início às transformações de Elli e serve de pontapé para o desenvolvimento da trama, ocorre com cerca de uma hora de filme. Até então, o espectador é obrigado a ver a menina beber escondida da mãe inúmeras vezes depois de uma abertura longuíssima em um casamento que não tem importância alguma à história.
Depois disso, Elli ainda bebe praticamente todo o estoque de bebida que sobrou na casa, além de ter umas quatro, cinco ou seis cenas em que é demonstrado algum tipo de comportamento dela bêbada ou de ressaca. Tudo a favor de mostrar essa situação inaceitável para uma criança, mas repetitivo.
Quando Elli encontra em Julio (Alban Lenoir) uma figura responsável, o tratamento dado a essa amizade é feito pela metade. Julio é mais um desatento cuidadoso que um adulto maduro. E as respostas dele tanto à menina quanto à mãe são incoerentes. É como se a diretora, junto com os co-roteiristas Diàsteme e François Pirot, não soubessem escrever para diálogos, então nem se dão ao trabalho de criá-los.
Mas Filho acerta também na direção de arte. Divide os cenários e figurinos em azul e rosa. O primeiro para mostrar o lado saudável e sóbrio em reflexo ao oceano, enquanto o segundo reflete as luzes de festas e a parte ligada à embriaguez. As cores valem para indicar os momentos, mas também são indicativas do que ocorre na cena final do longa.
Mesmo com esse cuidado, Vanessa não é capaz de fazer com que as 1h48 de filme passem rápido. O choque da condição da menina é perdido com a repetição desnecessária e a duração parece muito maior do que realmente é. No entanto, sempre é válido assistir a uma interpretação espetacular de Cotillard, que rouba a produção.