O primeiro pensamento ao descobrir que o Erasmo Carlos (Chay Suede) ganharia uma cinebiografia foi de tristeza. A recordação de outras obras do subgênero, como os péssimos Somos Tão Jovens, Não Pare na Pista e Tim Maia deixou um gosto amargo na boca. E pensar que um artista como Erasmo também teria a história arreganhada é desanimador. Mas nada impede que o filme seja uma surpresa.
Especialmente quando o trio de roteiristas L. G. Bayão, Lui Farias (também diretor) e Letícia Mey se inspiram no livro do próprio músico sobre a vida dele. O que dá alguma autenticidade. No entanto, o maior acerto dos realizadores foi escolher um começo e um fim em específico.
Com um Erasmo ladrão de chumbo no Rio de Janeiro, até o momento de redescoberta dos verdadeiros valores da vida dele, Minha Fama de Mau tem o que faltou às outras biografias, uma história. Na verdade, várias inseridas nesse meio tempo. Em especial a fama meteórica (em termos de acenção e de queda) com a Jovem Guarda, a amizade controversa com Roberto Carlos (Gabriel Leone), e o desejo de constituir família.
No entanto, essa miríade de histórias paralelas não dialogam entre si. Existe uma leve relação entre a amizade com Roberto e a fama, mas a busca pela família é quase um pano de fundo. E, que pena, é justamente a narrativa mais interessante.
Não porque a ideia de casar e ter filhos tem mais ou menos mérito, ou que o tema desperte mais interesse. Mas porque os roteiristas realmente tiveram a excelente sacada (mas que pode ser do próprio Erasmo no livro, como saber?) de criar uma representação das musas do artista no decorrer da vida por meio da atriz Bianca Comparato.
Os encontros com ela são fascinantes principalmente porque assumem um surrealismo. Sempre que Erasmo a vê, e certos diálogos são repetidos, é como se o artista tivesse a oportunidade de conversar com a chance de encontrar o amor da vida.
Numa hora, é casual, na outra a oportunidade para o estrelato o força a dar as costas. Num dos melhores momentos do filme, ele se afasta porque sabe que precisa superar os problemas pessoais antes de embarcar numa jornada do tipo.
O problema maior são as escolhas narrativas de Lui Farias para os outros fios narrativos. Porque o diretor e os colegas de roteiro parecem não ter interesse em contar a história. Muito pelo contrário, quando vários eventos importantes ocorrem, o Erasmo os conta enquanto apenas se vê as consequências depois.
Então se torna comum cenas como a que ele fala sobre como o fracasso o fez ficar meses sem se apresentar, mas não ter imagens das recusas dos shows e da fase depressiva. Ou melhor, tem, mas é praticamente um videoclipe depois que o período foi explicado detalhadamente em voice-over.
É quase um desperdício que os talentos dos diretores de arte e de fotografia, Tiago Marques e Guy Gonçalves respectivamente, sejam direcionados a este filme. Porque eles enchem o universo de cores de baixa tonalidade, mas forte saturação, o que faz com que as imagens da tela remetam aos visuais das fotografias e das revistas da época.
Além disso, é impossível encontrar um só detalhe no filme que traia a noção de um mundo do período. Desde as roupas, cabelos, carros, imóveis, gravadores, telefones. E Gonçalves quase faz milagres com os belos enquadramentos que apresenta. Enquanto Farias parece preguiçoso em inúmeras cenas ao apenas mostrar Carlos parado com os sentimentos dele, Gonçalves parece perceber os ângulos certos para encher os personagens de contornos e sombras.
É preciso dar um destaque especial para o ator Gabriel Leone. Ele emula os trejeitos famosos de Roberto Carlos, mas sem permitir que eles dominem a interpretação. O que os torna naturais. Sempre que ele entra em cena, com os pequenos cuidados dos movimentos, rouba a atenção do correto Chay Suede, que já sofre de um dos grandes maus de biografias, falas de efeito para engrandecer o personagem.
Infelizmente, os temores se concretizaram. Erasmo Carlos ganhou uma lembrança e homenagem da trajetória de vida no nível dos anteriores que o cinema brasileiro proporcionou. Com ritmo difícil, direção e roteiro preguiçosos, apesar de uma qualidade técnica admirável. Continua válido para os fãs do cantor, que têm um apego maior à história.