Bastam quinze minutos de Mommy para que o espectador compreenda que se trata de um filme diferente. Seja pelas enormes tarjas pretas verticais que tomam os dois lados da tela, seja pelos personagens inusitados retratados nas figuras de uma mulher grosseira e seu filho problemático. Incômodo é o sentimento que vai tomar conta das duas horas de projeção, e isso não é um problema da produção.
Diane vai buscar o filho Steve em uma instituição para menores problemáticos depois que ele provoca um incêndio em uma cafeteria e quase mata uma criança. Entre as dificuldades de cuidar do filho e sustentar os dois, Diane recebe esperança quando uma vizinha bondosa, Kyla, se dispõe a ajudá-los. Steve tem TDAH com tendências violentas. O garoto não consegue se concentrar em nada e com frequência se pega incapaz de raciocinar quando é contrariado. O filme é um pouco sobre isso, as dificuldades de convívio com quem tem um parente com este tipo de problema. Também é sobre maternidade e os sacrifícios que uma mãe está disposta a enfrentar por seu rebento.
Diane e Kyla. Sofrimento velado de mãe.
O roteiro de Mommy segue uma estrutura incomum. Um dos grandes trunfos do texto é criar situações comuns. Os personagens nem sempre vão soltar falas brilhantes ou memoráveis. Muitas vezes vão ficar em silêncio sem saber o que falar ou vão falar as coisas impróprias. É o que acontece com muita frequência na vida real. Nem sempre as pessoas tem as falas ideais na ponta da língua como a maioria dos filmes representa. Isso serve tanto para os momentos mais calorosos quando os três personagens principais estão se divertindo quanto para os momentos de tensão.
Xavier Dolan (diretor e roteirista) faz o filme quase inteiramente com duas tarjas pretas verticais nas duas laterais da tela. A imagem fica retangular na vertical, no centro da tela. Se assemelha com filmagens de vídeo feitas em celulares, o que dá à produção um aspecto caseiro. Como se tudo o que acontece fosse capturado por alguém da família. Ao mesmo tempo, este aspecto novo permite ao diretor explorar enquadramentos diferentes. Diferente da maioria dos filmes, o espaço vertical ganha destaque, com belos planos de objetos em pé emoldurando as ações. Quando os eventos são mais intimistas, a proporção menor deixa os enquadramentos e closes mais fechados. Os rostos e detalhes enchem a tela diminuída.
Esse fechamento da imagem também serve de analogia para o aperto que é a vida de Diane. Em certa parte do filme, o convívio dos três chega ao ápice da alegria. Então Steve se aproxima da câmera e abre o enquadramento com as mãos. Neste momento de conforto e respiro da trama, o enquadramento do filme alcança a proporção comum. O espectador sente, através disso, o mesmo conforto que os personagens. Até o momento em que uma notícia ruim perturba a paz e as tarjas caem novamente sobre a tela.
Steve abre a tela com as mãos.
Os três atores principais são excepcionais. Não interpretam personagens comuns. São pessoas complexas e mais soltas e livres que personagens calmos e tranquilos. Os diálogos espelham isso e os intérpretes se deixam levar pela vida cheia de energia incontrolável de Steve. O garoto em especial, faz os gritos, pulos e danças sem nunca se perder em excessos de interpretação. Algo muito difícil para o tipo de papel.
Uma visão mais complexa sobre a maternidade e os tipos de desafio que não são comumente associados a esse tipo de experiência. É um filme propositalmente incômodo, assim como é incômodo amar incondicionalmente uma pessoa para a qual o convívio social é impossível. Esteja preparado para esse tipo de experiência quando for assistir a Mommy. Assistir esperando um filme divertido para passar o tempo pode causar decepção.
ALLONS-YYYYYYYYY…