A literatura de Paulo Coelho é extremamente popular ao redor do planeta. Conhecido pelo trabalho artístico com o músico Raul Seixas e pelos livros focados nos mistérios de sua espiritualidade, Paulo Coelho é figura curiosa da história recente do país. Sua vida cruzou com diversos momentos interessantes do Brasil. Por isso mesmo, um filme sobre ele desperta atenção.
O filme começa na adolescência de Coelho quando ele tentou o suicídio e segue até uma jornada pessoal pela qual passou no ano de 2013. No meio do caminho, trechos famosos da vida dele são comentados. Há a colaboração com o Raul Seixas, a tortura pelo governo militar, a transição para a doutrina de R.A.M., os dois casamentos, a vida após a fama na Suíça e o período depois da intervenção cardíaca.
Como na maioria das cinebiografias, Não Pare na Pista não tem uma história sendo contada. Ele está mais para uma série de episódios isolados da vida da personalidade retratada do que para uma narrativa real. A roteirista Carolina Kotscho se foca tanto em comentar os momentos famosos da vida do escritor que se esquece de contar uma história. O diretor Daniel Augusto não se importa muito e faz o filme com um ritmo mais que problemático, que não apenas não dá ligação entre as cenas como também as deixa confusas.
Pela primeira meia hora de filme, o roteiro parece que vai seguir três histórias separadas da vida de Coelho. Uma nos anos de 1960, com ele passando da adolescência para a vida adulta. Outra com ele nos anos 1980 saindo do conforto de um emprego seguro para se arriscar na escrita. E a final com ele saindo do hospital depois da cirurgia no coração pela qual passou em 2013. Assim que estes primeiros minutos chegam ao fim, o filme parece esquecer que estava contando três histórias em paralelo e passa a ser linear. Ou seja, vai para os anos 1960, mostra ele virando adulto e mudando de intérprete e então, quando chega nos anos 1980 dá um salto na história pulando toda a parte que foi apresentada no começo. Sem explicação nenhuma, deixa a lógica da narrativa confusa. A princípio, parece haver um foco em mostrar as agruras de Coelho através de sua vida para conseguir se tornar um escritor. Porém, rapidamente o roteiro se perde em comentários de diversos momentos que não são importantes para este conflito, como um romance na adolescência com uma atriz ou a cena de tortura que mais parece uma piada de mau gosto.
Paulo Coelho na juventude. Tentativa de suicídio e socialismo.
Quando o filme está chegando no últimos minutos, revelando os primeiros passos de Coelho como escritor de livros, o filme simplesmente corta para uma cena com paisagem bonita e letterings tomam a tela para dizer as realizações dele nessa carreira. Ou seja, se havia alguma pretensão de fechar o ciclo com o qual o filme começa, ela é arruinada com uma freada no momento que seria o clímax da obra.
Daniel Augusto conta com um apoio técnico impressionante. A fotografia cria um forte contraste entre tons claros e escuros que, iluminando a cuidadosa direção de arte que reconstruiu os períodos da vida de Coelho, forma imagens com uma brasilidade bastante específica. Com frequência, enquadramentos preenchem a tela com beleza. A montagem das cenas faz cortes inspirados entre os belos takes. Porém, a direção se resume a imagens em close-ups com baixa profundidade que mais remetem a uma viagem alucinógena que a uma linguagem de cinema.
Augusto derrapa ainda mais na direção nos pontos relacionados à espiritualidade de Coelho. Quando ele se une à doutrina de R.A.M., ele filma uma espada que é parte importante do ritual de entrada através de ângulos que dão tons de apoteose religiosa. Ao invés de apenas tratar sem parcialidade, faz planos com a câmera embaixo d’água ou filmando os símbolos de baixo para cima engrandecendo a jornada. Em uma reunião com o Raul Seixas em rito de outra disciplina religiosa, a montagem mistura a reza com imagens de cachorros e restos de seres vivos. Parece que se vê mais um filme fantástico sobre exaltação espiritual que uma obra inspirada na vida de alguém.
Ainda assim, Augusto faz algumas cenas inteligentes aqui e ali. Uma em especial mostra o pai de Paulo, Pedro, ouvindo pela primeira vez a música Pedro. Augusto é esperto ao não mudar de enquadramento ou mexer com a câmera. Apenas deixa o close no rosto do ator enquanto este passa por todos os espectros de sentimentos que vem à tona enquanto a letra é entoada pela voz de Raul Seixas.
Personalidade exacerbada mais faz mal à imagem de Coelho do que deveria.
O que mais incomoda em Não Pare na Pista é a figura que se forma ao redor da pessoa Paulo Coelho. Quando ele é mais velho, é retratado como um artista que se considera acima das outras pessoas entoando frases como “Todo mundo lá fora apenas respira enquanto eu quero morrer vivendo”. Na juventude, o filme tenta criar uma imagem negativa dos pais de Coelho, beirando o maniqueísmo. Porém, essas cenas acabam criando mais carisma pelos pais dele que por ele próprio. Depois revela pessoas aceitando as particularidades um tanto quanto narcisistas dele com naturalidade. Inclusive, o filme parece ter mais interesse em tentar exaltar a grandiosidade dele como artista que os problemas que essa personalidade criam no lado pessoal. Isso porque a fama de Coelho é a de que ele é uma pessoa muito acessível e tranquila. Ou o filme o retratou da maneira errada, ou ele não é uma pessoa muito admirável.
O filme tem base em grandes interpretações do elenco. Júlio Andrade está cada vez mais se revelando um dos grandes nomes do cinema nacional com suas atuações camaleônicas. Ele interpreta Coelho adulto e em 2013, com a ajuda de uma maquiagem bem feita, que alcança grande semelhança com a figura do verdadeiro Paulo Coelho atual. Enrique Díaz faz uma bela performance como o pai do escritor que passou por inúmeros choques pessoais com o filho. A Paz Vega surpreende ao dar as caras em um filme nacional. A linda e talentosa atriz espanhola é desperdiçada como a primeira esposa do escritor que é usada mais como objeto de cena que como personagem. Quem mais merece ser comentado é o ator Lucci Ferreira, que faz o Raul Seixas tão bem que sua imagem e a do cantor se confundem. Mesmo quando imagens reais do cantor são apresentadas.
Paz Vega desperdiçada no filme.
A pior referência que se pode fazer à literatura de Paulo Coelho é dar a este filme o subtítulo que ele recebeu. Quando os créditos finais começam a passar e a frase A Melhor História de Paulo Coelho enche a tela, o espectador perde qualquer vontade de procurar os livros dele. Se este filme é a melhor história de Paulo Coelho, é melhor ficar longe de todas as outras.
GERÔNIMOOOOOOOO…
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