A cena que dá nome a este filme talvez seja a mais recheada de elementos cinematográficos. É quando a câmera faz um movimento, mesmo que sutil, e a trilha sonora sobe para abraçar o drama do momento. À parte deste momento, No Coração do Mundo é uma narrativa quase estática, rotineira. E é parte da intenção dos realizadores.
É assim que o espectador encontra o casal Marcos (Leo Pyrata) e Ana (Kelly Crifer) na cidade Contagem, no interior de Minas Gerais. Pobres, com pouca educação e sem perspectivas de futuro além de pequenos bicos que rendem pouco dinheiro e crimes. Os dois recebem da amiga Selma (Grace Passô) uma oportunidade de um golpe de grande lucro para saírem de vez daquele lugar e daquelas condições.
Apesar da trama de crime que lembra muito coisas do Quentin Tarantino, a dupla de diretores e roteiristas Gabriel e Maurílio Martins não quer fazer uma narrativa acelerada. Muito pelo contrário, eles despem o filme de qualquer elegância ou glamour. Porque aquelas pessoas são negadas de tudo isso.
E essa intenção é clara desde a abertura. Com som de música romântica melosa, o espectador testemunha uma declaração de amor de Ana por meio de um carro de som para o namorado no aniversário dele. No meio dessa breguice, um tiro próximo indica que alguém foi morto. E aquela violência é próxima, pois o assassino e o assassinados estão relacionados com os trambiques de Marcos.
Mas ele não tem escolha. Poderia seguir o exemplo da companheira e estudar enquanto é maltratado por anos em um emprego que a reduz e a humilha diariamente. Para escapar disso, faz pequenos furtos para vender imóveis em feiras questionáveis. Sempre assombrado pela possibilidade de ser preso.
E ele é apenas um dos personagens com quem esses momentos ocorrem. Ana sofre agressões todo dia como cobradora de ônibus público, que é a melhor opção de trabalho disponível. Enquanto Selma percebe que fugiu de uma vida cruel anterior para aquele lugar e ainda não está segura financeiramente e do mundo. Ao redor deles, pessoas sem condições, como o pai debilitado de Ana, ou os parentes que sofrem racismo e perda de irmãos de Selma.
Para isso, os Martins fazem com que as cenas sejam estáticas, com poucos movimentos de câmera. Os cenários evocam toda a pobreza dos rebocos de quem não tem dinheiro para finalizar as paredes. Os diálogos longos remetem ao Tarantino. Eles falam sobre a rotina quase como uma forma de rir das desgraças pessoais. Com isso, o filme ganha um ritmo particularmente lento.
Leva quase uma hora para que o grande crime venha a ser discutido entre os personagens porque há muita coisa a ser dita quando se vê um diálogo de Marcos com uma colega de assaltos enquanto fumam um baseado. A droga poderia ser questionada pelos inúmeros motivos para não usá-la, mas é um dos poucos anestésicos para a situação deles. Nas entrelinhas dos diálogos e das cenas, várias reflexões sociais, como racismo, sexismo e questões de classe social.
Vale um destaque especial para os atores do filme, que agem com uma naturalidade impressionante em cena. Em uma conversa, Marcos de vez em quando leva a mão para a virilha, como se estivesse com uma coceira. Não há importância narrativa, é apenas o trejeito do personagem, que não se acanha de fazer o gesto no meio da rua. Passô, no entanto, rouba a cena. A atuação cheia de ódio lembra bastante algumas personagens da Viola Davis.
Trailer do filme:
Para aqueles em busca de algo mais lento, mais pesado, e mais reflexivo, No Coração do Mundo é a pedida. No entanto, o ritmo quase de uma rotina pode não servir a um dos propósitos mais comuns do cinema, entreter e divertir. Ainda faz rir pelos diálogos extremamente informais que são ainda mais fortes pelos trejeitos dos mineiros, mas certamente não é feito para distrair quem busca ação, aventura e comédia.