Billy Hope (Jake Gyllenhaal) é o boxeador que carrega o título de campeão dos pesos médio-pesados. A carreira garantiu uma vida de conforto para ele, a esposa Maureen (Rachel McAdams), a filha Leila (Oona Laurence), o empresário Jordan Mains (50 Cent) e os amigos de infância. Quando sofre uma tragédia pessoal, Billy vê tudo o que tinha ser perdido aos poucos. Para garantir que não vai perder também a única pessoa que sobrou, precisa reiniciar a vida e encontra ajuda na figura de Tick Wills (Forest Whitaker).
Nocaute se encontra numa categoria de filmes que precisa, por conta da mensagem a ser passada, se dividir em dois. Na linha de O Mestre das Armas e Ricky Bobby, ele é sobre um homem que vive da forma errada até que o comportamento o leva ao fundo do poço. Daí ele se reergue com humildade e foco no que realmente importa. Como em toda produção do tipo, ele é um filme até o meio, depois outro até o final. Em outros casos incomodaria, mas o roteirista Kurt Sutter sabe conduzir além do detalhe técnico.
Sutter cria um incidente incitante para a primeira metade e o clímax desta é o incidente incitante da segunda. Para quem não sabe, incidente incitante é o evento dentro de filmes que alteram a vida dos personagens e os força a tomar ação para tentar retomar o que tinham antes. É importante porque a problemática do ato é o que cria empatia com os protagonistas. Os dois apresentados em Nocaute funcionam muito bem. Quando ele perde uma pessoa querida no começo, é difícil não simpatizar com o sofrimento de um homem que perdeu a bússola moral. Depois, quando já perdeu tudo o que tinha, ele finalmente compreende a única coisa que realmente importa. E ver ele reaprender os valores que tinha para conseguir manter apenas aquilo é lindo.
Billy entre o homem que o ajuda a crescer e o que o abandonou.
Outro grande acerto de Sutter é o nível de detalhamento com o qual mostra a derrocada e a ascensão posterior. Billy quer vingança, e a cena que resulta disso é tocante e tensa. Sem contar com um certo nível de panfletagem na qual apresenta as duras vidas de pessoas que vivem na periferia, sem dinheiro nem condições. Existe até uma história paralela com um garoto chamado Hoppy que é de partir o coração. Tanto porque o sofrimento dos personagens é bem realizado, quanto pelo fato de que eventos do tipo acontecem de verdade nas ruas todos os dias. Tudo isso sem soluções fáceis como um treinador durão que solta pérolas de sabedoria. Muito pelo contrário, o novo treinador de Billy é tão defeituoso quanto ele. Os dois são apoio um para o outro.
Antoine Fuqua, o diretor, entende como poucos a forma de retratar essas injustiças do mundo real. Usa de estilo visual do hip-hop para filmar. Contrastes altos entre claros e escuros, com uma leve perda na saturação das cores entre cortes rápidos e muitos ângulos subjetivos com foco de baixa profundidade. Com a trilha sonora carregada de rap, diversas sequências parecem um videoclipe do gênero musical. Nas partes mais dramáticas, como a cena em que Billy encontra uma mulher viciada em drogas com três filhos de colo, o estilo funciona bem. Não deixa cair no melodrama gratuito nem deixa de sensibilizar. Ela é apenas mais uma das vítimas do mundo e o filme sabe que ela não é um destaque entre os que se encontram naquelas condições. Por outro lado, o ritmo da montagem causa estranhamento aqui e ali. Nada que comprometa a experiência.
Uma das cenas mais fortes. Grande interpretação da atriz mirim Oona Laurence.
Jake Gyllenhaal é um estouro. Faz basicamente dois personagens diferentes. Um bronco que veio das ruas e não sabe se controlar. Depois um homem que esconde toda a raiva por baixo de um autocontrole doloroso. Mais uma das grandes interpretações do ator. A Rachel McAdams faz a esposa que consegue restringir o marido que está constantemente nervoso. Isso com pequenos detalhes na interpretação que dão dicas do passado da personagem. A menina Oona Laurence dá conta de momentos difíceis, principalmente para uma criança. Bela atuação infantil. O Forest Whitaker faz um homem que vive em um mundo de desesperança e leva golpes diários da crueldade. Ainda assim, não desiste de ajudar os poucos que consegue. É dono de uma das cenas mais bonitas do filme. O 50 Cent está bem como o empresário inescrupuloso e até a nova senhorita Moneypenny Naomi Harris dá as caras como uma assistente social que ajuda Billy e a família.
Não é um filme que reinventa a roda. Na verdade, quase tudo o que se predispõe a ser já foi feito antes. O mérito de Nocaute se encontra em como ele retrata isso com sutileza. A dor e o sofrimento são sentidos sem exagero, mesmo que sejam profundos. Ao mesmo tempo, tanta tristeza faz com que a superação final seja ainda mais forte e bela. Para quem gosta de chorar e se emocionar no cinema.
FANTASTIC…
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