A comédia e a tragédia talvez sejam os dois gêneros narrativos mais antigos desde o teatro grego. O contraste entre os sofrimentos anunciados de grandes heróis e as sátiras diz muito sobre as motivações humanas. Algumas das coisas mais tristes podem ser hilárias, ao mesmo tempo em que coisas que são terrivelmente rápidas e supérfluas podem render os maiores dramas.
Talvez seja esta a razão para que o diretor, roteirista e ator James Franco tenha ficado tão fascinado com a história real de Tommy Wiseau (vivido por Franco). Baseado no livro homônimo de Greg Sestero (Dave Franco, irmão de James), ele acompanha a juventude do autor, passa pelo início da amizade com Wiseau e vai até a produção do filme da dupla, The Room, considerado um dos piores da história do cinema.
De fato, tudo em O Artista do Desastre parece evocar essa dualidade da figura de Wiseau. Com um forte sotaque europeu, um estilo pessoal que parece um misto de Frankenstein com pirata e uma carranca inexpressiva que não esconde a idade de mais de 30 anos de idade, o personagem parece ignorante ao próprio ridículo. O que apenas o faz ser ainda mais involuntariamente engraçado.
Sestero e Wiseau se conheceram em aulas de interpretação e se mudaram juntos para Los Angeles para tentar começar a carreira de atores. Greg tinha jeito para modelo e até conseguia pequenas pontas, mesmo que não decolasse, mas Tommy era esnobado pelo ramo. Sem talento e incapaz de perceber a própria inaptidão, ele é convencido pelo amigo a fazer um filme que poderá lançar os dois em Hollywood. O fim é famoso.
Mas a graça aqui não é apenas ver os bastidores de um dos maiores desastres do cinema. Pelo contrário, Franco parece mais interessado em fazer com que toda cena reflita a ambiguidade da jornada de Wiseau. Tudo é engraçado, mas triste ao mesmo tempo. Em um dos momentos mais fortes, Tommy passa por ridículo durante uma gravação de nudez ao mesmo tempo em que se abre com toda a equipe e elenco sobre como sabe que ninguém leva ele a sério.
Justamente por ser tão honesto no sentimento a piada é mais engraçada, e a tragédia é mais triste. Franco reflete isso no método de filmagem. A câmera de ombro parece seguir os personagens pelos cenários. A intenção é parecer documental e, com isso, mais verossímil. O que condiz com essa honestidade do retrato de Wiseau. Até a fotografia do filme tem granulado, como se não tivesse passado por correção de cores na pós-produção.
Por outro lado, Franco usa e abusa da rede de contatos para colocar pontas de atores famosos em todo o filme. Desde participações relâmpago de gente como Sharon Stone e Melanie Griffith, passa por partes cômicas de gente como Zac Efron e Josh Hutcherson, até momentos singelos repentinos de artistas do calibre de Jackie Weaver.
Essas participações quase removem o espectador do filme ao lembrar que ele é uma sátira da própria Hollywood. Ao mesmo tempo, é justamente por ser sátira que a produção pode rir de si mesma.
E Franco acerta também no retrato de Wiseau. Cheio de próteses no rosto para parecer mais com o homem real, o ator recria pequenas características da peculiaridade com gestos. Não só faz a risada e o sotaque com perfeição, está levemente estrábico em todas as cenas. Mas o mais interessante é como ele leva a sério os sentimentos do personagem, por mais que saiba que os atos dele sejam e geram o ridículo.
Há uma entrevista em que Franco tenta explicar a história de Wiseau e é possível ver no jeito dele duas coisas. Primeiro, que ele tem a necessidade de compreender o que é a tragédia de um homem que produz arte com muito amor, mas que não tem talento algum. E segundo, que ele não consegue discutir essa história sem rir dela, por mais que a considere séria. Talvez por isso, conseguiu algo raro. Uma tragédia cômica, ou uma comédia trágica.
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