O cinema, inúmeras vezes, se mete a desenvolver histórias com narrativas teatrais, que se passam em um único cenário. Hitchcock, o mestre, fez isso de forma magistral com uma sugestão de plano contínuo em Festim Diabólico. O cenário é sempre o mesmo, com mudanças e dinâmicas feitas pelas ações dos personagens. Chegou a vez de Daniela Thomas experimentar com este O Banquete.
Ela acompanha um jantar entre amigos jornalistas de uma revista organizado na casa de uma das editoras, Nora (Drica Moraes). O grupo parece querer esquecer a tensão da possibilidade do fim da revista e da carreira deles no dia seguinte devido ao contexto político do Brasil em 1992. Mas Nora tem uma intenção secundária com as pessoas convidadas para o banquete.
O espectador, assim como vários dos personagens, compreende isso quando Maria (Fabiana Gugli) percebe que não é uma festa, mas uma janta, e que terá que compartilhar mesa com o amante e a esposa dele no aniversário de casamento dos dois. O companheiro dela, Lucky (Gustavo Machado), tenta quebrar a tensão com piadas sobre sexo e pequenas observações sobre os conflitos entre os presentes.
Com esse olhar sarcástico, Thomas (também roteirista do filme) dá o tom de humor cruel para tratar aquelas relações tão humanas e tão complexas. É tanto ódio contido. Somado a tanta raiva e tristeza. O resultado é um clima doentio, em que toda fala parece reforçar que, por trás de toda cordialidade da vida adulta, há segundas intenções. Sejam elas sexuais ou violentas.
Para dar a noção de uma história que se desenvolve em tempo real, como em uma peça, Thomas faz as cenas com planos longos que seguem os personagens pelo cenário. Assim, quando a convidada surpresa Cat Woman (Bruna Linzmeyer) toca a campainha, todos olham na direção da porta, a câmera corta para seguir a personagem por trás até ela ser revelada para os outros convidados.
O foco é sempre de pouca profundidade, para que o espectador esteja fechado junto com os personagens e suas perspectivas individuais. O que também deixa sempre difícil compreender todo o espaço. Além disso, usa de tons monocromáticos junto com uma fotografia granulada para dar uma sensação de um lugar nebuloso e claustrofóbico. Nada mais adequado para as situações nojentas em que os personagens se encontram.
Tudo isso sustentado por grandes interpretações. Todos os personagens são complexos e diferentes entre si, apesar de terem a mesma motivação sempre: o sexo, o medo e o ódio. Desde Maria, contida e tímida, mas que se recusa a abrir mão do amante, até a Nora, fria, calculista e vingativa. Destaque para a excelente interpretação de bêbado de Caco Ciocler, que é tanto vítima quanto culpado do casamento doentio em que vive.
Porém, as discussões, as piadas cruéis e a ambientação nojenta em que esses convidados estão não sustentam o ritmo com fluidez. Especialmente quando o foco muda para Lucky e a vontade dele de transar com o garçom. Ele é um dos poucos personagens sem conflito e desenvolvimento, então se torna um fardo para a velocidade do filme. No entanto, não compromete o ótimo texto.
Assim, Thomas conduz uma longa conversa que faz rir pela tensão e pelo desconforto, mas também leva a reflexões sobre relações monogâmicas, sobre como ódio se liga a sexualidade e sobre como o rancor pode ser imaturo e se sustentar até em adultos que não percebem como são vulneráveis.