“Em algum lugar, há um lugar onde homens não matam uns aos outros, onde homens chamam homens de irmãos, onde homens vivem sem medo; se você continuar correndo, um dia será livre.” Com essas palavras, Ennio Morricone abre O Dia da Desforra por meio da música Run, Man, Run. Raras vezes se vê uma música ser tão condizente com o filme ao qual dá ritmo.
Isso porque os protagonistas Jonathan Corbett (Lee Van Cleef) e Cuchillo Sanchez (Thomas Millian) anseiam justamente pela promessa da música. O primeiro, um caçador de recompensa, é contratado por homens ricos para caçar o segundo, um ladrão mexicano, pelo estupro e assassinato de uma garota de 13 anos. No jogo de gato e rato dos dois, tramas de escalas maiores são desvendadas.
A música também remete às mensagens que o filme busca transmitir. Como na maioria dos bons faroestes, não é sobre tiroteios, perseguições e todos os clichês do gênero, mas sobre o que eles discutem. Normalmente é sobre moral e valores relacionados a masculinidade, mas aqui também envolve críticas às políticas internacionais do Estados Unidos e ao sistema que dá mais benefícios aos ricos.
Escrito pelo diretor Sergio Sollima em parceria com o xará Sergio Donati, o roteiro acompanha Corbett, enquanto ele tenta capturar Cuchillo pelo deserto do sul dos Estados Unidos até o México. Nos confrontos constantes entre os dois, o americanos descobre aos poucos que o mexicano é simpático, conquista as pessoas e, acima de tudo, é inteligente e habilidoso. O que permite a ele fugir repetidas vezes e levanta um questionamento curioso.
Na tentativa de fazer valer a lei a qualquer custo, será que o próprio Corbett não se tornou ele mesmo um fazedor do mal? A dúvida o persegue assim como ele persegue Cuchillo. Aos poucos, ele é forçado a confrontar outras coisas, como a imponência dos americanos no território dos mexicanos.
Tudo, é claro, vai conduzir ao grande duelo climático obrigatório de faroestes. E tem algo de épico quando valores morais contrários são confrontados diretamente em um contexto cruel e duro com as pessoas – que aqui é feito no mesmo esquema de tensão do estilo bang-bang à italiana. Música grandiosa enquanto duas pessoas se encaram com ódio; as vidas em risco para representar os valores individuais.
Sollima não é o grande diretor que Sergio Leone, inventor do sub-gênero, foi dois anos antes em Por um Punhado de Dólares, mas ainda é ótimo. Não é inventivo a ponto de usar planos gerais depois de planos detalhes, mas coloca frequentemente armamentos, balas e facas diante de pessoas que vão participar de duelos. Cria a ambientação necessária para a tensão entre os conflitos.
Millian e Van Cleef possuem estilos opostos de interpretação. Um é melodramático e exagerado, enquanto o outro é contido e transmite o que pensa por meio de olhares. Para o primeiro é mais fácil dar risadas megalômanas, já para o outro, é útil ter feições angulosas. Van Cleef sabe fazer parecer que Corbett está ciente de tudo ao redor. Como se ele refletisse sobre todas as opções. O que é muito útil para um personagem tão inteligente.
É um prazer assistir a um filme tão bom quanto O Dia da Desforra. Com trilha admirável, primazia técnica na fotografia e na direção de arte e uma trama inteligente, a produção remete ao melhor do gênero.