Lançado em 1993, o livro infantil O Doador cativou profundamente o ator Jeff Bridges. Compromissado a participar de uma adaptação do mesmo para o cinema, Bridges conseguiu a realização do filme somente agora em 2014, graças aos sucessos recentes de produções como Jogos Vorazes e Divergente.
Em um futuro distópico, a sociedade se resumiu a uma colônia na qual os humanos vivem em paz total graças ao uso de uma droga que inibe os sentimentos. Para o equilíbrio ser mantido, uma pessoa é escolhida sempre para ter a função de lembrar dos tempos antes da paz e tirar do passado respostas para problemas futuros. Jonas é um jovem que chegou ao momento de exercer uma função na sociedade e acaba recebendo a tarefa de ser o novo receptor de memórias. Agora deve tomar lições com o antigo receptor (Bridges), que vai lhe passar as lembranças de outrora.
Jonas e seu mentor. Reflexões sobre valores da vida.
Apesar de ser uma ficção científica pós-apocalíptica protagonizada por um jovem bem apessoado, o filme guarda pouca semelhança aos já citados Divergente e Jogos Vorazes. Está mais para uma versão leve e otimista de 1984, Farenheit 451 e No Mundo de 2020. Só pelo número de referências já fica claro que não se trata da premissa mais original. A novidade encontra-se no fato de que tanto o livro quanto o filme tenta levar essas reflexões para o público infantojuvenil.
A história sugere que o mundo com emoções reprimidas da trama é sentido sem cores e noções artísticas. Para traduzir isso para a tela, o veterano Philip Noyce deixa o filme sem cores sempre que algum personagem que não sente é o protagonista da cena. A estilização visual é praticamente toda subjetiva. Quando Jonas começa a sentir e compreender um novo mundo aos poucos, a saturação aumenta lentamente. Começa apenas com leves tons de vermelho e vai crescendo até a palheta ficar vibrante. Com imagens grandiosas de céus multicoloridos que iluminam terras e mares em várias tonalidades.
Os roteiristas Michael Mitnik e Robert B. Weide criam um primeiro ato bastante minucioso, em que detalham o funcionamento daquela sociedade. A divisão de tarefas para jovens lembra o primeiro ato de Divergente, mas com características muito mais fáceis de levar a sério. Em parte por conta do texto que cria situações críveis, em parte por conta da direção que as filma com naturalidade. Nada é fora de contexto.
Quando Jonas começa a sentir todos os espectros das emoções humanas um questionamento é levantado. No passado, quando os humanos se permitiam amar e aproveitar as belezas da vida, eles também se permitiam matar por esporte, por pedaços de terra. Com a limitação da sensibilidade e das escolhas, as pessoas são menos cruéis. Será um preço válido para a paz? O roteiro faz um bom trabalho de argumentação para convencer o espectador de que sim. Porém, a perda das emoções também significa a perda de empatia. Podemos ter paz, mas não vamos ter a sensibilidade de perceber quando estamos sendo injustos ou até mesmo monstruosos.
Jonas aprende o que realmente sente pela melhor amiga.
Se a condução e a argumentação do roteiro são boas, os problemas se encontram na direção e na montagem. Noyce sempre foi problemático com ritmo e lógica, basta ver seu último filme, Salt. A partir do segundo ato, a jornada de Jonas começa a ficar corrida e leva para uma viagem cujo objetivo não faz sentido. E como este objetivo é ilógico, o clímax parece um enorme Deus Ex Machina. Mesmo que seja climático e envolvente.
O elenco jovem é totalmente desconhecido, com exceção da Taylor Swift, que faz uma participação rápida e inexpressiva. Os três jovens principais são ótimos. Demonstram emoções contidas por trás da droga que os retém com poucos movimentos de cabeça e sorrisos não revelados. O brilho, entretanto, fica com o elenco veterano. O Jeff Bridges solta monólogos bonitos e se entrega a cada um deles. A Meryl Streep é uma máquina de interpretações poderosas. É impressionante como consegue agregar ameaça ao olhar sem expressão de sua personagem. O Alexander Skarsgård está excelente como um homem retido pela droga, mas que ainda sente pequenas doses de emoções devido ao contato constante com bebês, dado à função que o personagem desempenha. A Katie Holmes não está péssima, como é o seu padrão, então já é uma participação positiva mesmo sem fazer nada demais.
Eventualmente, O Doador de Memórias não se destaca por não ser original. Mas tem uma condução decente, um protagonista simpático e diversas reflexões de grande beleza que merecem ser transmitidas para seu jovem público alvo acostumado com produções mais fracas.
GERÔNIMOOOOOOO…