Raramente filmes de terror são criativos. O que é uma pena quando se considera o peso da criatividade no gênero. Desde a imaginação de monstros e criaturas a novas formas de arranhar o subconsciente humano. Um filme como O Homem nas Trevas, que encontra monstruosidade em um tema diferente do padrão é um motivo para comemorar.
A “criatura” da produção é um homem (Stephen Lang) que não tem nada de comum. Além de cego, é um veterano do Iraque que vive recluso com um cachorro e uma possível fortuna em casa. Quando três assaltantes invadem o terreno em busca do dinheiro, descobrem que ele não é inseguro. Rapidamente o desconhecido mata um deles, tranca as saídas e corta as fontes de luz. Os sobreviventes, Rocky (Jane Levy) e Alex (Dylan Minnette) descobrem nos cantos sombrios segredos terríveis.
Apesar de ser um conflito simples entre três pessoas, O Homem nas Trevas é um filme de terror. O cego (ele nunca é nomeado durante a produção) é filmado e transformado pelos aspectos técnicos em um monstro. São duas pessoas em um ambiente fechado e sem saída com esse perigo constante e aterrador. O fato de que o contexto envolve escuridão, algo que brinca com as expectativas negativas do inconsciente, é só uma das características do gênero que preenchem a obra.
A dupla Fede Alvares (também o diretor) e Rodo Sayagues faz um roteiro completo e inteligente. O primeiro ato não deve ter mais do que vinte minutos, mas é suficiente para apresentar tudo o que é importante para o desenvolvimento da história. Rocky, Alex e Money (Daniel Zovatto) são introduzidos em um assalto que exemplifica como realizam crimes. A ética deles entra em choque com o novo roubo, o que serve de desculpa para compreender que ela, a protagonista, tem razões humanas e desesperadas para fazer o que faz. Alex é um jovem sensível e simpático que se deixa conduzir por paixão e inocência. Money é o único que não tem apresentação suficiente para despertar empatia. Não à toa, uma vez que ele é o primeiro a morrer.
Mas não é gratuito. Eis a inteligência de Alvares e Sayagues. Cada ação, objeto e detalhe têm uma função para a ação na casa. Money existe para morrer, e é importante que isso ocorra. Demonstra imediatamente o perigo e a capacidade do inimigo sem visão. A tensão se torna mais presente porque há a sensação de que os “heróis” podem morrer a qualquer momento.
Com este segundo longa, Fede Alvares prova que não é apenas a ideia brilhante por trás da franquia A Morte do Demônio que fez com que a estreia no cargo de diretor fosse boa. Ele sabe como cada detalhe do roteiro no primeiro ato é importante para a história e dá destaque para cada um individualmente. Especialmente com um plano sequência que se assemelha muito aos que David Fincher fez em Quarto do Pânico. A câmera acompanha o arrombamento da casa do cego e, a cada cômodo descoberto, revela um item ou objeto relevante. Seja um caco de vidro caído em certo ponto de uma sala, seja a posição de um sino no telhado de um corredor.
Tudo o mais passa a servir a duas funções, ou à tensão dos confrontos entre o cego e a dupla de ladrões, ou ao desfecho, que segue um padrão interessante dos filmes de terror do Sam Raimi, produtor da fita. A história e os problemas são quase um julgamento de caráter. O Homem nas Trevas soma nove atores, dos quais apenas três aparecem em mais de 75% da projeção. Do elenco completo, apenas um tem um personagem que não tem culpa de nada. Nem o cego, nem Rocky ou Alex são realmente inocentes. E quanto mais eles se permitem seduzir por alguma escolha amoral, mais eles são punidos. O que inclui a conclusão da história, que é feita propositadamente para deixar um leve desconforto em relação ao futuro.
Alvares é habilidoso também em escalar a sensação de medo com o nível do perigo que quase sempre encontra os protagonistas. Mais de uma vez é possível achar que Rocky ou Alex vão, de fato, morrer neste ou naquele momento. E as soluções para eles se safarem (quando eles se safam) são coerentes e mantêm o espectador na ponta da cadeira.
O fato de ser um filme sobre pessoas presas em um ambiente com um inimigo cego que tem, como uma das forças, a audição, duas características técnicas ganham atenção especial dos realizadores: a edição de som e a fotografia. É muito interessante ver como a casa ressoa com os menores sons. Tanto que a vibração de um celular, em certo ponto, parece alta como um terremoto. As respirações, os suspiros e os passos ganham destaque especial para que o espectador perceba os personagens como o “vilão” os percebe. A iluminação brinca muito com o escuro e a câmera esconde detalhes com movimentos. Muitas coisas só são notadas pelos protagonistas quando aparecem em cena com uma mudança sutil de ângulo. Alguns planos detalhes no rosto do cego quase o fazem parecer não humano porque ressaltam as cicatrizes e as deformidades dos olhos dele.
A escolha do elenco é acertada. Jane Levy, também atriz principal de A Morte do Demônio, tem o olhar determinado e consegue exprimir medo e vulnerabilidade nos momentos certos enquanto também tem a força para enfrentar os inimigos, por pior que sejam. Dylan Minnette é um ótimo ator que merece mais destaque. A expressão confusa dele é ótima para indicar o inocente perdido, mas ele também sabe mudar o porte para ser um lutador inesperado. Talvez a melhor parte das atuações é Stephen Lang. Existe uma razão para o cego ser solitário e triste, e o intérprete demonstra isso sem perder a imponência.
O Homem nas Trevas é um achado de horror. Original, com soluções espertas e um roteiro redondo e completo. O diretor sabe usar os momentos de tensão para escalar o suspense. A parte técnica explora as características da história com sons intimidadores e sombras que escondem o que precisa dar medo.