Uma parte boa das artes é que elas são globais. E como o mundo é dividido em inúmeras culturas diferentes, com formas diferentes de pensar, agir e lidar com as coisas, acompanhar produções artísticas de vários países diferentes permite às pessoas reflexões novas e enriquecedoras. Felizmente, com o prêmio de melhor filme estrangeiro, coisas como este O Insulto chegam no nosso circuito comercial.
E que ideia maravilhosa essa de contar o conflito entre dois homens que vira o conflito de um país. Tony (Adel Karam) rega as plantas na varanda e a calha quebrada acidentalmente molha Yasser (Kamel El Basha). Esse pequeno choque gera um insulto, que se torna um processo, que aumenta os ânimos da população do Líbano.
Isso porque Tony é um cristão que perdeu muito com a invasão dos palestinos durante a guerra no passado, e Yasser é um palestino refugiado que vive sem pátria, com o preconceitos dos libaneses e com a memória de ser perseguido pelos israelenses. Como as falas repetidas do filme fazem questão de deixar claro: não é sobre uma calha, um soco ou um insulto. É sobre a memória de dois povos forçados a viver juntos.
Mas os roteiristas Joelle Touma e Ziad Doueiri (este também diretor do longa) têm noção da obviedade e começam a narrativa com um tom de ironia. É apenas hilário ver a forma como esses dois homens ficam emburrados e agem como crianças. Simplesmente porque um é palestino e o outro cristão. Mais engraçado ainda é ver como as pessoas ao redor ficam chocadas com eles.
O humor funciona por duas razões. Primeiro porque a situação é absurda, mas os atores a interpretam com seriedade. Também porque, apesar de ser ilógico, é verossímil. Não porque o mundo sem sentido, mas porque as pessoas não conseguem ser racionais. O que também faz com que a piada sirva de reflexão e crítica.
Com o aprofundar da briga e o aumento do escopo político, o filme fica cada vez mais sério. Principalmente enquanto os dois percebem as consequências desproporcionais de um pouco de água em uma calha quebrada. O que conduz a momentos inspiradíssimos, como a cena em que o carro de Yasser para de funcionar. Eles são cidadãos civilizados que se deixaram levar por momentos turbulentos.
Talvez seja um dos temas mais interessantes de se trabalhar em histórias, porque a civilidade é um desafio que pode ser terrivelmente frustrante em uma espécie tão emotiva. Qual o valor do convívio pacífico quando há culpa e vítimas para todos os lados? Será que vale a pena lutar por isso quando o sentimento de justiça clama por sofrimento de outro?
Justamente por fazer as perguntas corretas, certos problemas do filme se tornam ainda mais fortes. Como o fato de que a história da produção passa a se focar mais no desenvolvimento do julgamento que nos dois protagonistas. Assim, a parte política parece se tornar mais importante que a narrativa, o que a faz ser mais fraca.
Ainda assim, trata-se de uma produção que chega com ar de irreverência. Em parte por ser feito em uma cultura de métodos e reflexões diferentes, mas principalmente por usar humor e métodos conhecidos de maneira que parece nova.