Na correria das premiações de começo de ano, alguns filmes ficam de escanteio nas categorias principais, mas chamam a atenção em coisas específicas. É o caso deste O Peso do Passado, que rendeu muitos elogios e apostas para a interpretação da Nicole Kidman. Mas, é só um filme de personagem?
A protagonista, Erin (Kidman), é uma policial alcoólatra e decadente que recebe uma mensagem de Silas, um inimigo pessoal do passado. A partir disso, ela parte em busca do criminoso sem ligar para regras ou para a possibilidade de ser presa. Ao mesmo tempo, relembra aos poucos de quando se infiltrou na gangue do bandido 16 anos antes com Chris (Sebastian Stan), um agente do FBI.
As duas tramas paralelas conduzem, sempre sob a perspectiva da detetive, até as grandes revelações finais. O que faz com que o filme se encaixa claramente no gênero policial, mas o todo fala sobre a personagem, na verdade. É um estudo sobre as motivações e as ações dela nas duas condições da vida.
E é onde a diretora Karyn Kusama acerta inicialmente ao colocar Kidman como Erin. A personagem é um reboco de gente destruída pelo tempo e por si mesma. Ela manca em todas as cenas e parece estar entre duas realidades: a dos momentos que vive, e da embriaguez. E a atriz se despe de qualquer vaidade para demonstrar isso.
Em certa cena, ela deixa claro que não se importa com as consequências de matar alguém porque não faz diferença se vai sobreviver ou não. E é possível ver esse desprezo pessoal no olhar e no comportamento cuidadosamente planejado pela atriz. O que é reforçado pela extraordinária maquiagem, que a faz parecer muito mais velha em uma trama do que na outra.
Kusama também acerta ao usar a montagem e os estilos de filmagem para simular a passagem de tempo como a perspectiva de alguém embriagado. A diretora faz com que cenas comecem com a tela tomada pela cor da pele de Kidman para depois revelar que a cena é subjetiva e mostra o despertar dela depois de desmaiar no carro.
Essa sensação de lerdeza e de crueza permeia a obra e condiz com o que Kusama e os roteiristas Phil Hay e Matt Manfredi querem passar por meio da história. Uma jornada dentro do mundo podre e doentio de Erin depois de ter cruzado caminhos com o doentio e deturpado Silas (Toby Kebbell). Como isso a destruiu, e ela destruiu tudo o que conhecia a partir disso. Ninguém é bom ou mau, apenas pessoas que querem se cuidar e atingir seus objetivos pessoais.
Trata-se de um filme sujo, pesado, violento. Mas isso é importante, pois a vida de Erin e o mergulho que ela faz dentro de si, do passado, e dos erros, é tão feio quanto. Daquelas produções que deixam os espectadores com sensações ruins ao sair do cinema, mas pelos motivos certos.