Um colunista de Nova Iorque (Sarah Snook) entra em um bar e inicia uma conversa com o barman (Ethan Hawke). Diante da promessa de uma história bizarra, o vendedor sugere uma aposta. Se a vida do cliente for a mais incrível que ele já ouviu, ele dará uma garrafa de bebida de graça para ele. Começa, então, a narrativa em flashback.
Esta é a segunda parceria da dupla irmãos Spierig como diretores com o ator Ethan Hawke. A primeira obra conjunta foi o acidentalmente hilário Daybreakers. O que não é um bom histórico para o grupo. Aqui eles adaptam o conto All You Zombies, de Robert A. Heinlein. No original, é criado uma espécie de paradoxo para a existência de um universo em que uma pessoa constitui todo o universo onde existe.
Eis o problema de O Predestinado. Se o conto era uma constituição de uma realidade fantástica e absurda, os Spierig tentam criar um filme de ficção. Como o paradoxo proposto por Heinlein impede a existência coerente da história em uma trama de ficção-científica, o raciocínio perde o sentido.
O misterioso senhor Robertson. Presença constante na vida contada.
O tal paradoxo também é conhecido como o paradoxo de Bootstrap. As discussões acerca desta lógica após a reprodução de O Predestinado apagam as reflexões que deveriam ser o foco da trama. Até o final do filme, existem analogias sobre amor, solidão, autoconhecimento, transexualidade e outros conceitos interessantes.
Outro problema imediato do roteiro é a divisão entre as tramas. O colunista conta a própria história até a metade da produção. Trata-se de um drama bem conduzido sobre uma pessoa que não se adequa ao mundo. Com uns quarenta e cinco minutos de duração, o lado de ficção-científica se apresenta de súbito. E muito acelerado, o filme precisa explicar os mil e um buracos deixados abertos.
Os Spierig dirigem ação bem e trabalham com a direção de arte de forma a ressaltar uma estética fantástica. Ao mesmo tempo em que os visuais relacionados à ficção-científica usam aparelhos com visuais vintage, paredes e equipamentos tem cores e luzes fora do normal. É o que ganhou a descrição popular de “futuro do passado”.
Tudo no filme remete ao mistério da conexão entre os dois personagens. Seja uma música que toca em uma máquina ou detalhes do cenário, como enquadramentos que remetem ao mesmo visual dos dois. Não à toa, tem despertado fóruns e discussões desde o lançamento nos Estados Unidos.
O Ethan Hawke está ótimo, como ele sempre foi. Mas quem brilha é a Sarah Snook. A atriz é uma desconhecida que conta com uma capacidade de demonstrar grandes emoções com sutileza. O desprezo escondido no olhar dela, assim como uma tristeza cruel, despertam uma empatia enorme.
Interessante e envolvente, o filme peca ao se esforçar demais para fazer sentido como ficção-científica. Mas a premissa não tem lógica dentro do gênero. A discussão ofusca todos os contextos que poderiam ganhar destaque por possuírem maior relevância.
ALLONS-YYYYYYYYYY…
Gostei do seu texto. É evidente que a narrativa se esforça para resolver o paradoxo, mas em relação ao andamento não achei que a longa sequência de flash-back foi um defeito e sim extremamente importante e indispensável para amarrar a trama.
Na verdade, Fabiele, não acho o longo flashback ruim. O que incomoda é que ele segue uma linha bem pesada de drama e se revela outra coisa depois. Mas certamente é muito importante para a história como um todo.