Assim que Embalos de Sábado à Noite começa, a câmera aérea está focada em Manhattan. Por baixo da tela aparece um pouco da ponte Verrazano (que liga Manhattan ao Brooklyn). A imagem vira para o outro lado e o espectador é levado através da estrutura em direção ao próprio Brooklyn. A música é Staying Alive e ela abre dizendo em inglês: “Todo mundo pode dizer apenas pelo meu jeito de andar que sou um homem das mulheres.” É quando Tony Manero é apresentado. Elegante, seguro e bem vestido. Ele é o príncipe daquele bairro de Nova Iorque.
Algumas semanas antes de um torneio de dança, Tony (Travolta)descobre uma mulher que dança melhor que qualquer outra que já passou por seu território. Mas, diferente de todas as outras, esta não tem interesse nele. Os dois fazem um acordo para serem apenas parceiros de dança e vencer o torneio.
Filme típico da reinvenção do cinema norte-americano em 1970, Os Embalos de Sábado à Noite ficou marcado pelas danças de John Travolta com as músicas do Bee Gees. Mas o filme é muito mais que apenas isso. Representa um problema dos jovens da época e retrata um lado mais feio tanto do mundo quanto daquele país. A jornada de Tony Manero não é de triunfo, é de despertar para o lixo do qual ele mesmo faz parte.
O grupo de jovens mais popular da discoteca mais popular do Brooklyn é comandado por Tony. Ele é quem melhor dança na região, quem consegue resolver todas as picuinhas pequenas que surgem eventualmente, quem se veste melhor e quem é alvo do interesse de todas as garotas. Ele, assim como os amigos, bebe, fuma, participa de briga de gangues, mata aulas, tem um emprego com futuro questionável e faz parte de uma família descendente de italianos. O contato com Stephanie é o que começa a desvendar a ilusão sobre a vida que leva. Ela é bonita, dança bem, se veste bem, tem um emprego em Manhattan e, por conta disso, está abandonando a região e a vida que existe ali.
Stephanie abre as portas para uma vida melhor.
Tony, que é o grande representante do lugar, é constantemente rechaçado por ela. Ela fala de coisas sobre as quais ele não conhece ou entende. Artes, estudos, carreiras. Tony pode ser o dono do Brooklyn, mas o Brooklyn é pequeno e insignificante, e Tony faz parte dessa insignificância. É por isso que ninguém se importa com o racismo dos moradores do local, com os estupros e com o crime. A ignorância é tanta que Tony se recusa a se envolver com uma de suas seguidoras, chamada Annette (atuação excepcional da atriz Donna Pescow) porque gosta dela. De acordo com o raciocínio dele, se fizer sexo com Annette, como o faz com várias outras mulheres, ela deixará de ser respeitosa. Exatamente porque ela não quer fazer sexo casualmente é que ela não merece envolvimento.
John Badham dirige o filme muito bem. Basta notar o movimento aéreo do começo da produção. Ele sabe que o filme é uma forma de mostrar para os Estados Unidos que o “sonho americano” não existe e que muitos jovens são perdidos dentro desta ilusão. Para isso, coloca as luzes e cores ludibriantes das discotecas quando Tony está tentando viver sua ilusão. Cada vez mais, porém, vai revelando a realidade tal qual ela é. Quanto mais Stephanie faz parte da vida dele, mais os detalhes feios do cenário se revelam. Mais as roupas perdem o brilho e a maquiagem fica borrada. Essa imagem negativa da cultura americana é referência a filmes como Rocky e O Poderoso Chefão, cujos posters estampam as paredes do quarto de Tony.
O choque da realidade estampado no rosto sofrido de Tony.
Infelizmente, essa excelente história envelheceu mal com a mudança da cultura. As danças extremamente complicadas e difíceis de Travolta parecem antiquadas e caem no ridículo para as audiências modernas. Era muito triste ver Tony tomando as pistas com seus movimentos complexos e as pessoas no cinema semana passada rirem por achar patético. Principalmente porque essas cenas deixavam o público em polvorosa na época do lançamento. Ainda assim, as danças são muito bem filmadas. O mesmo não se dá com a única cena de ação, que é mal montada e faz parecer com que cada golpe pareça falso.
Travolta dominou a dança e a música como poucos. Mesmo assim, nunca perdeu o foco da história e revelou coragem ao dar vida a um herói que não é tão limpo e correto quanto se vende. Depois de diversas cenas torturantes para os personagens, algumas que revelam questões ainda presentes nos dias de hoje, Travolta mostra com seu olhar cansado e chocado a resolução de seguir adiante e abandonar tudo. Infelizmente, no ano seguinte, ele fez Grease, que eu considero infinitamente inferior a este, mas que foi um sucesso muito maior.
ALLONS-YYYYYYYYY…