Terceiro dia com texto sobre Era uma Vez no Oeste. Já falou-se sobre estética e linguagem, agora é a vez de falar um pouco sobre os arcos dos personagens do filme. Falei bastante sobre os quatro principais e um cadinho a mais sobre um dos coadjuvantes cuja história me chamou a atenção.
“É interessante notar como Era Uma Vez no Oeste brinca com outros conceitos do cinema clássico. O personagem principal é o vilão da história. Nós estamos junto dele tentando descobrir o que o Gaita quer constantemente. Ao mesmo tempo em que Gaita é um antagonista herói. O Gaita é um antagonista no sentido de que é ele quem cria os conflitos cujos quais Frank vai ter que enfrentar. E Frank é um protagonista porque nos identificamos com o mistério que ele busca desvendar. Afinal de contas, qual a motivação tão poderosa para que Gaita queira tanto matá-lo?
Em determinado ponto do filme, Frank pergunta para Gaita qual o seu nome. Em resposta, Gaita fala três. Frank lhe diz que são todos nomes de homens mortos. Gaita afirma que estavam todos vivos antes de conhecerem Frank. A impressão que fica é que Gaita na verdade é uma representação da justiça, um fantasma de todos os pecados de Frank voltando para torturá-lo e obter vingança. Ele não tem nome, não tem passado, chegou de lugar nenhum e sempre some subitamente.
A construção do personagem Gaita é soberba. Quase todas as vezes em que ele aparece, é anunciado por seu leitmotiv, tocado por ele mesmo na gaita que sempre carrega consigo. Eventualmente, essa música fica mais elaborada quando se repete no duelo final entre os dois. As suas falas são poucas, mas significativas. Como Cheyenne diz ao descrevê-lo, “Ele toca a gaita quando deveria falar e fala quando deveria tocar a gaita.” Tudo o que faz é misterioso. Quando conhece o Cheyenne, parece que vai matá-lo, mas torna-se aliado dele. Quando conhece a Jill, personagem da Claudia Cardinale, parece que vai estuprá-la, mas acaba salvando sua vida. E o mais surpreendente é quando ele vê que Frank vai cair em uma cilada mortal e salva sua vida, poupando-o apenas para matá-lo mais tarde.
Jill, Cheyenne e Gaita se conhecem.
O filme possui duas histórias principais. Uma é a da viúva e ex-prostituta Jill, que recebe de herança um terreno de grande valor para uma construção de uma ferrovia, o que pode dar ao seu dono milhões de dólares. Daí começa uma guerra sangrenta entre Morton, um homem debilitado e rico, que precisa de trens para conseguir se locomover e a viúva, que não quer nada daquilo para si, mas se vê presa na situação por ser dona involuntária das terras. A outra história é a de Frank, que trabalha para Morton com o objetivo de matar todos os donos do terreno, e subitamente vê tudo o que tem começar a decair com a chegada e os esforços de Gaita, que começa a persegui-lo, aparentemente sem motivo.
Em determinado ponto do filme, Morton fica silencioso e introspectivo, analisando um de seus quadros. O quadro é uma pintura de um mar revolto em uma tempestade. A montagem fica cortando nervosamente dos olhos de Morton para o closes cada vez mais próximos dos detalhes do mar na pintura. A ambição de Morton é ligar os dois mares que banham os Estados Unidos através de linhas de trens. Quando ele está morrendo, quase trinta minutos depois, se arrasta até uma poça de água no meio do deserto e deixa seu rosto cair nela, enquanto o som do mar toca de forma não-diegética. De alguma forma, ele realizou sua jornada.
Acredito que a representação da deficiência física de Morton seja uma analogia à forma como o personagem vive. Morton é a civilização tomando o oeste. E sendo assim, ele não é um homem completo em meio aqueles pistoleiros. Mesmo tendo poder financeiro sobre eles.”
GERÔNIMOOOOOOO…