Foi difícil admitir o erro do pré julgamento deste Pantera Negra, com uma estética única que combina o colorido de culturas africanas com as tecnologias de ficção científica do universo da Marvel. Porém, foi preciso lembrar que a estranheza veio de um fator essencial. As raízes das culturas africanas são fortemente encobertas na história da cultura ocidental.
Não à toa, o filme ganha tanta força com um super-herói que não é apenas negro, mas africano também. Não é apenas uma fantasia de empoderamento de uma parte da população mundial, mas das origens deles. Ao mesmo tempo, o diretor Ryan Coogler, que escreveu o filme junto com Joe Robert Cole, aproveita do fato de que o personagem é um rei para elevar os questionamentos em diversos níveis.
T’Challa (Chadwick Boseman) não tem apenas que ser um herói que derrota bandidos e super vilões. Ele enfrenta problemas diplomáticos e políticos. Com a premissa de que Wakanda, a nação fictícia governada pelo super, avançou mais tecnologicamente que qualquer país do mundo, vem uma pergunta fundamental. O que é a responsabilidade da nação mais poderosa em relação ao resto do planeta?
Parece familiar? É porque as dúvidas de T’Challa são feitas para alfinetar a cultura bélica de diversos países do chamado “primeiro mundo”. Mas sem perder a relevância de apontar a culpa herdada pelos brancos colonizadores e como os negros empoderados devem agir depois de séculos de abusos.
As perguntas não são simples, e é justamente por isso que um roteiro bem construído que trabalhe com diversas camadas é importante. É preciso que T’Challa tenha conflitos pessoais, que eles reflitam esses questionamentos, assim como o confronto com o vilão. Sem perder, é claro, o foco na trama política internacional e no tom de filme de espionagem a la James Bond.
Para isso, Coogler assume características populares atuais como o supracitado espião inglês para empoderar pessoas negras. Muito semelhante ao movimento blaxploitation, mas com dinheiro de grandes produções hollywoodianas. Outra referência visual importantíssima é o movimento afrofuturista. Assim, Pantera Negra se mantém como entretenimento, e faz referências a todas as reflexões propostas tanto no texto, como na direção de arte.
Além do visual arrojado e do roteiro bem estruturado que faz todas as perguntas certas, Coogler, soube escalar um grande elenco de artistas negros que imprimem à produção a seriedade de quem dá valor às tradições de uma cultura. Boseman sustenta bem a parte dramática, mas sempre parece fora de ritmo na parte cômica. Já Michael B. Jordan, como o vilão Erik Killmonger, engole o protagonista sempre que os dois dividem a cena. Uma vez que o antagonista também tem uma jornada pessoa complexa e rica, que exige todo o talento e simpatia do ator.
Também é preciso dar destaque para as fortíssimas personagens mulheres Nakia (Lupita Nyong’o) e Okoye (Danai Gurira), que não precisam de aprovação masculina para se impor e serem respeitadas. Diga-se de passagem, uma certa cena destinada a se tornar icônica mostra um grupo de homens subjugados por mulheres.
Por outro lado, falta a Coogler a habilidade para dirigir cenas de ação com efeitos digitais. Não é incomum ao espectador perder movimentos e golpes nas lutas e perseguições recheados por computação. Ainda pior são os modelos tridimensionais. Tudo parece plástico e falso, desde o próprio Pantera Negra até carros, prédios e animações. Em alguns enquadramentos, é possível ver o recorte de personagens em chroma keys. Para o que a Marvel já fez nos cinemas, é quase um passo para trás.
Isso sem falar em pequenos momentos feitos para criar algum suspense acerca dos personagens que são tão clichês que o espectador sabe o que ocorrerá minutos antes. Uma luta aqui com certeza será perdida para que a história tenha um conflito mínimo e possa ter continuidade. Tudo isso compromete seriamente a tensão que deveria fortalecer a ação e o suspense.
Ainda se trata de um dos filmes de super-heróis mais relevantes da atualidade. E cientes disso, os realizadores se dão ao trabalho de fazer as perguntas certas e dar as alfinetadas necessárias. A realização técnica tem sérios problemas ao ponto de comprometer o entretenimento, mas não arruína o que é um filme de excelente ritmo cuja mensagem relevante já era importante anos atrás e continuará sendo por muito tempo.
Essa e outras críticas também podem ser lidas no site Sete Cultura, nova parceria do Aquela Velha Onda.
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