Ninguém viu. Ninguém nem soube que aconteceu, mas esse filme, Paraíso, estreou nos cinemas junto com outro que passou batido, The Rover. Acontece que, assim como o outro, Paraíso é uma produção muito boa que os brasileiros vão perder por conta das luzes dos grandes blockbusters do período.
Alfredo e Carmen são um casal obeso que está mais que satisfeito com suas condições físicas. Quando ele recebe uma promoção que os força a mudar para outra cidade, acabam entrando em contato com pessoas que não os veem tão bem. Para lidar com os comentários alheios, se inscrevem em um programa de emagrecimento. Porém, apenas um deles consegue emagrecer e a diferença cada vez mais evidente passa a ser um problema.
Como na maioria dos romances, trata-se de uma história que acompanha as agruras de um casal que tem alguma coisa os separando. É o princípio básico para roteiros do gênero. Mas a proposta de história possui um tempero todo especial. Não são duas pessoas que se encaixam no padrão de beleza popular, mas nem por isso deixam de ser bonitas de suas formas especiais.
A diretora e roteirista Mariana Chenillo é muito talentosa e acerta a mão na hora de tratar do assunto com delicadeza. Abre o filme com uma doce cena de amor entre os dois personagens. O sentimento representado por sua consumação física não deixa de ser sincero e belo apenas porque os dois não são o que se espera de um casal de protagonistas de romance. Mesmo revelando alguma nudez, a diretora toma cuidado para que um foco de baixa profundidade e uma fotografia levemente estourada não deixe a cena cair no contexto de voyerismo barato. Ainda é possível sentir a beleza do momento entre duas pessoas que se amam.
Chenillo constrói o conflito aos poucos. O que funciona muito bem na hora de demonstrar as complicações. Principalmente com a diretora usando os enquadramentos para separar os dois personagens visualmente. Seja uma parede entre os dois, ou como eles são emoldurados dentro de cômodos separados.
Entretanto, quanto mais os dois se separam, mais se evidencia que ambos não são realmente compatíveis. Começa com Alfredo empolgado com a perspectiva da nova cidade enquanto todas as informações sobre o novo local chegam de forma negativa para Carmen. No meio do caminho, ela é obrigada a abandonar o cachorro querido, o emprego e até uma planta. Na nova casa, as condições são desconfortáveis para ela. Para ele é como um sonho realizado. Chegando ao extremo de adotar um gatinho por quem se afeiçoa. Mas, mesmo com anos de relacionamento com Carmen, ele não parece saber que ela detesta os animais da espécie.
Carmen no curso de culinária. Satisfeita com sua condição.
E vai só escalando. Os diálogos dos dois não são de pessoas que se dão bem juntas, os interesses e hobbys não se encaixam. E quando ele emagrece, começa a chamar a atenção de mulheres mais magras sem perceber as agonias dela, fica fácil torcer para que ambos se separem para encontrar um caminho melhor. Principalmente quando novas perspectivas de romances surgem para os dois através de pessoas que aparentam ser mais compatíveis com ambos. A cereja no bolo é a percepção de que os dois estão mentindo um para o outro. Ele começa a se exercitar sem ela e ela esconde que se envolveu em um curso de culinária galesa (com muita comida calórica). Isso é algo que um romance não deveria se permitir sofrer. É preciso que o espectador torça para que os personagens fiquem juntos. E isso não ocorre aqui.
O filme toma caminhos elaborados para resolver esses problemas. Alguns um tanto quanto estereotipados demais, outros bastante inteligentes. O final é imprevisível, apesar de clichê, porque o filme brinca com reviravoltas que seriam típicas de outro tipo de conclusão. Deixa pistas de que vai acabar de um jeito e termina de outro. E o faz de forma bastante satisfatória. Constrói bem para a sensação de que o final é uma solução adequada.
Alfredo. Transformação através da maquiagem.
Para conseguir fazer a transformação física do personagem Alfredo, o filme contou com a participação de um ator magro que começa com uma pesada maquiagem que vai aos poucos saindo de cena. A mudança é muito bem realizada, mas a parte do roteiro sobre o personagem é fraca demais. Por mais que o ator Andrés Almeida se esforce, seu Alfredo parece mais reagir silencioso aos eventos do que lida com eles. Todo o destaque acaba caindo para a atriz Daniela Rincón, que é muito carismática e não se permite sentir vergonha de se desnudar apesar de seu sobrepeso. Essa coragem abre espaço para que revele uma beleza muito mais valiosa que o que a sociedade valoriza. Ela é uma pessoa rica e com profundidade, que conta com muitos defeitos, mas muitas qualidades que tornam sua personalidade saborosa para um filme.
Paraíso trata de temas que merecem mais atenção do que nosso mundo dá e o faz com muito carinho e delicadeza. Tem problemas sérios de roteiro, mas os supera com engenhosidade. No final das contas, trata-se de um romance que merece ser apreciado em meio a um gênero feito de repetições e clichês mal realizados.
ALLONS-YYYYYYYYY…