Com frequência se vê pessoas que tentam confrontar realizadores ruins de cinema. É compreensível porque é muito incômodo passar horas sentado diante de uma obra de arte que parece perda de tempo. Mas é difícil que um filme possa ser considerado realmente perigoso. Infelizmente, este Polícia Federal: A Lei é para Todos é um desses casos.
Para ser mais específico, trata-se de uma representação da operação Lava Jato, a maior investigação policial de corrupção da história do Brasil. Não sou fã de superlativos, mas é como o filme vende a história. Contada do ponto de vista dos quatro personagens da imagem acima, os policiais federais Ivan (Antonio Calloni), Julio (Bruce Gomlevsky), Bia (Flávia Alessandra) e Vinícius (João Baldasserini).
Os quatro precisam ser mencionados porque nenhum assume de fato o papel de protagonista e eles, como grupo, não funcionam como um coletivo. Cada um tem o papel principal em trechos diferentes da produção, em uma incoerência que é apenas sintoma de um filme que parece feito por entusiastas radicais da polícia.
O que leva ao grande perigo do filme. Em um momento de crise política nacional (ainda mais quando uma das maiores razões para essa crise ser os resultados da operação Lava Jato), fazer uma obra sobre uma investigação de grande importância para a história do País sem que ela tenha chegado ao fim já não parece uma boa ideia. Mas fazer uma produção que parece gritar constantemente que a política é má e apenas o sistema jurídico é a salvação chega a ser assustador.
Principalmente quando o diretor é o Marcelo Antunez, o mesmo que cometeu coisas como Até que a Sorte nos Separe 3 e Um Suburbano Sortudo. Assim como naqueles, ele segue estilos estabelecidos para a televisão brasileira. Os atores atuam com esforço para enunciar cada sílaba. As encenações caricaturais são maniqueístas. A montagem não possui ritmo, assim como o roteiro não tem estrutura narrativa. É praticamente um filme sem características de filme.
Na tentativa de mostrar os agentes como pessoas que se sacrificam pelo bem do País, os policiais apresentam sempre uma postura estoica mesmo diante das adversidades que deveriam fazer eles mais humanos. Os pais de um estão com problemas de saúde. Outra tem que abandonar a vida acadêmica. Todos viram as noites preocupados em tornar o Brasil um lugar melhor.
Em especial Julio, prova que nem mesmo um ator versátil como Gomlevsky é capaz de dar sentido para uma direção equivocada. O personagem é feito para representar o espectador revoltado com os esquemas de corrupção do País, mas ele tem momentos em que precisa misturar a natureza austera dos heróis com a raiva contida do papel. Não faz sentido e os sentimentos nunca parecem reais ou naturais. Chegam a gerar cenas de comédia involuntária, como o momento em que ele chuta uma lixeira enquanto xinga em voz alta.
Mas nada é pior que a representação do juiz Sérgio Moro (Marcelo Serrado). Com a mesma falta de expressão e sentimento dos protagonistas, o jurista é apresentado como um pai de família e professor universitário que sempre usa roupas pretas e se preocupa com o horário em que o filho vai voltar pra casa de noite enquanto queima o dedo ao preparar uma pizza. O típico e honrado homem de família.
Enquanto isso, os investigados aparecem em momentos caricatos. O doleiro Alberto Youssef zomba e ri dos detetives e das prisões como se fosse uma cópia do vilão Coringa. A cena de prisão de Marcelo Odebrecht evoca um ódio irracional de pessoas ricas para que ele pareça ainda mais mal e vilanesco do que já é por ser uma das pessoas mais importantes entre escândalos políticos de bilhões de reais.
No começo, a produção mostra o personagem Vinícius em perseguição a Youssef em duas cenas de ação que, apesar de bem feitas tecnicamente, não têm suspense. Antunez parece acreditar que apenas colocar uma música com batidas rápidas vai fazer com que a tensão exista em uma cena sem perigos ou riscos.
Depois, o protagonismo passa para a personagem Bia, que por uns dez minutos forma a equipe. Passa, então, para o Julio, já comentado. E termina com Ivan, que tem como drama não ir a campo há muitos anos e precisar justamente fazer a condução coercitiva do ex-presidente Lula (Ary Fontoura, em mais uma interpretação cartunesca). Nenhum deles assume o papel de protagonismo.
O resultado é essa propaganda ideológica disfarçada de cinema, mas é um filme sem final, sem protagonistas, sem gênero e maniqueísta. Tem uma direção de arte de grande qualidade técnica e uma história original muito interessante. A operação Lava Jato é importante e merecia uma produção de maior qualidade, não esse trabalho sem personalidade.
P.S.: Há uma cena pós-crédito que talvez seja ainda mais vergonhosa que toda a produção pela tentativa de simular uma estratégia de promoção de filmes estadunidense.