Não é incomum que pessoas falem sobre o quanto ficaram chocadas que alguns relacionamentos duraram tanto tempo. A verdade cruel é que existem pessoas capazes de fazer coisas terríveis para companheiros e parceiros. Pior ainda, os abusados conseguem resistir às agressões por muito tempo. Apenas por abordar esses temas, este Por Trás dos Seus Olhos já se torna extremamente relevante.
O casal da produção é Gina (Blake Lively) e James (Jason Clarke). Grande parte da vida dos dois é determinada pela dependência dela por ele, uma vez que ela é cega do olho esquerdo e tem uma visão extremamente limitada no direito. Até que ela faz uma cirurgia que permite voltar a enxergar. Sem todas as restrições, a mulher começa a descobrir um novo mundo que talvez não envolva o marido.
Aqui, tudo serve a esse questionamento. Será que os dois são felizes por serem compatíveis, ou por que a condição de Gina a força a depender de James? E se não forem mais capazes de ser felizes juntos, o que será de ambos? Pois Gina, ao começar a enxergar, também passa a descobrir novidades inesperadas sobre a própria personalidade.
Entra em cena o talento do diretor Marc Foster, que usa e abusa de sobreposições de imagens para retratar as sensações da personagem. Quando o casal transa, ela está completamente voltada para o tato, então imagina como se centenas de corpos nus se entrecruzassem com as sensações. Ao tomar banho, por não ter compreensão do espaço além do chuveiro, é como se ela existisse em um infinito de gotas que caem. E o cheiro do vapor também cobre toda a noção que ela tem dos arredores. Tudo isso é retratado em imagens na tela.
Quando Gina volta a enxergar aos poucos, um filtro na câmera consegue até dar a estética de cílios quando olhos se abrem contra a luz. É um cuidado técnico impressionante de Foster, que apenas reforça o sensorial da narrativa, importantíssimo porque o roteiro, escrito por ele em parceira com Sean Conway, não faz questão de detalhar os porquês do enredo.
Muito pelo contrário, o espectador tem que juntar as peças de pequenas pistas, tanto do visual quanto dos acontecimentos. Só se sabe que certos personagens são a irmã e o cunhado da protagonista quando as duas falam sobre a perda dos pais na juventude. Deixar por conta do público compreender o filme aos poucos também reforça uma sensação incômoda.
Fica claro rapidamente que Gina, ao voltar a enxergar, não acha o esposo tão belo quando imaginava. Assim como percebe que a visão permite ter controle em diversas situações, como sexo, saídas de noite, vestimentas, visuais e até interação com pessoas. A insegurança que surge em James, um homem contido e introvertido, e o descontentamento dela, muito mais segura e desapegada, gera um desconforto que se sustenta por toda a projeção. E vai conduzir a um fim em que os dois precisam mentir.
Para isso, Foster também aproveita da fotografia, com cores douradas quando o casal está confortável. Quanto mais a situação se agrava, mais as sombras tomam os espaços que eles dividem. O mergulho de Gina nas novas descobertas da visão é marcado com tons quentes, como o vermelho. Enquanto a insegurança de James é marcada pelo frio do verde que o cerca. Até o clímax, quando a tela separa as duas cores com os personagens afastados.
Até os figurinos refletem isso. James e Gina tendem a usar roupas com tons pastéis no início. À medida que ela toma o controle, mais as curvas do corpo se destacam, assim como cores escuras, que retratam as dúvidas que o homem tem sobre o que ela pensa. Mesmo a escolha dos atores realça isso, porque Clarke não corresponde a quase nenhum padrão comum de beleza, enquanto Lively, a irmã e o cunhado têm corpos definidos.
No entanto, o casal de atores sustenta a produção além do visual. Um dos problemas do roteiro é que os contrastes dos personagens é brusco. Eles não têm compatibilidade nenhuma. São os dois que vendem os sentimentos além do texto. Ainda assim, quando James precisa se sentir vulnerável, e eventualmente passar para o comportamento passivo-agressivo, é possível ver tanto a vulnerabilidade quanto a decisão no olhar dele.
Lively faz o mesmo ao mostrar a vontade de Gina de crescer além do mundo do marido e a resistência para manter o amor e tudo o que os dois construíram juntos. Não fosse a falta de ambientação do roteiro para o amor do casal e uma necessidade de Foster de se perder em metáforas – como em uma cena em que uma criança encontra uma vaca morta -, Por Trás dos Seus Olhos seria uma obra ainda melhor. O que não impede de ser uma experiência interessante para discutir algo sob uma nova perspectiva.