Quem nunca viu? Pessoas de roupas colantes brilhantes e coloridas com capacetes estilizados que os tornam desproporcionais em lutas contra outros fantasiados com montes de espumas e pouco movimento. É o que acontece no gênero de séries televisivas Super Sentai, exportadas do Japão para o ocidente, e é o que acontecia com Power Rangers na década de 1990, quando foi televisionado no Brasil.
Escute enquanto ler a crítica.
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Na releitura “realista” para o cinema carregada de efeitos especiais e um tom menos infantil, a história continua focada nos adolescentes Jason (Dacre Montgomery), Kimberly (Naomi Scott), Billy (RJ Cyler), Zack (Ludi Lin) e Trini (Becky G.) quando descobrem por acidente uma nave alienígena escondida em uma pedreira e recebem poderes de guardiões cósmicos chamados Power Rangers para proteger a Terra de ameaças intergaláticas.
Trata-se claramente de uma tentativa de ganhar dinheiro em cima da nostalgia de várias gerações que passaram pelos episódios das dezenas de temporadas do programa televisivo. Ao mesmo tempo, o filme busca uma abordagem mais adulta e verossímil, com efeitos especiais de qualidade e um roteiro menos inocente.
Está aí a importância de ter John Gatins (roteirista de Kong e de O Voo) para escrever o tratamento dessa adaptação. Ele faz com que nenhum dos protagonistas se conheçam por serem de grupos diferentes. Jason é atleta, Kimberly é uma garota popular, Billy está no espectro de autismo e não tem amigos por ser considerado esquisito, Zack se exila do mundo e Trini é uma pessoa que ninguém percebe que existe.
Todos têm alguma dificuldade pessoal particular relacionada com assumir a própria identidade e a interação forçada, junto com o aprendizado como Power Rangers, os ensinará crescer e evoluir. Quando precisam virar os heróis de armadura cósmica, não é apenas sobre a fantasia de empoderamento típica de Super Sentai, mas sobre desenvolvimento de personagens. A referência é o clássico Clube dos Cinco, com direito até a semelhança de cenários e de conflitos dos personagens.
Na parte da fantasia de ficção, Gatins é cuidadoso para não ser brusco ou acelerado. Abre o filme com um prólogo que apresenta parte do contexto alienígena, mas segue com o desenvolvimento lento dos protagonistas enquanto, aos poucos, encontram a nave alienígena. Nenhum dos cinco aceita o que acontece com alegria e empolgação, mas com medo, ao mesmo tempo em que até Zordon (Bryan Cranston), um vestígio dos alienígenas, tem conflitos pessoais e receia que rangers tão jovens possam ser eficientes.
E Gatins torna os perigos reais. Aqui, pessoas morrem de verdade e a vilã Rita Repulsa (Elizabeth Banks, ótima) é revelada como uma criatura de filmes de horror. Ela ataca as pessoas de forma sorrateira e as mata como um monstro, em busca de vitalidade e de recursos.
Ainda com tantos elementos que acrescentam “verossimilhança” à trama, Gatins tem noção de que a história é absurda demais para se levar à sério demais. Cria momentos repetidos com humor que questiona a seriedade. Em especial por parte de Billy, que é usado como alívio cômico do filme. Em uma cena específica, ele questiona por que os companheiros saltam sobre um abismo mesmo com os poderes porque é estúpido dar aquele pulo, por mais que seja necessário para o desenvolvimento. O resultado é um filme que fica divertido, mesmo em meio a um enredo tão sério.
O diretor Dean Israelite busca a mesma verossimilhança com a forma como filma. Faz planos longos em que a câmera acompanha a ação próxima aos personagens ou em posições em que câmeras amadoras seria colocadas. Em um momento primoroso logo na abertura, ela gira dentro de um carro durante uma perseguição e mostra todos os detalhes do que ocorre na cena sem sair do veículo. Passa a impressão de que o espectador está nos locais com os protagonistas e faz com que a ação sinta mais real.
Por outro lado, a produção sofre impiedosamente em certos aspectos técnicos. A computação gráfica não parece real quando a ação tem escala grandiosa. Especialmente com as sequências com robôs gigantes. A montagem também é problemática porque a filmagem em planos que acompanham os personagens com frequência impede os cortes de criar noção de espaço, ainda mais nas cenas de ação. E a fotografia escura com tons cinzentos deixa o filme com cores apagadas, por mais que seja embasado em um espectro variado.
O que salva é a direção de arte, que tem cenários enormes e trabalha com figurinos representantes das cores dos personagens como rangers. Jason sempre tem algo vermelho nas roupas, Billy tem azul, Kimberly tem rosa, Trini tem amarelo e Zack tem preto. A parte alienígena usa traços curvos e elegantes na nave e até nas armaduras dos rangers. Tudo parece feito fora do planeta.
Também é preciso destacar as atuações. Montgomery, Scott e Becky G. estão bem como Jason, Kimberly e Trini, mas o coração e alma do filme é RJ Cyler como Billy. O sentimento de carinho do personagem pela aventura que vive parece genuíno e cria empatia no espectador, ao mesmo tempo em que é ele que faz da produção mais divertida com o humor bem colocado. O único que destoa é Lin como Zack. Ele é tão ruim que, na única cena em que tem algo para apresentar na interpretação, cada palavra parece fingida e falsa.
Os coadjuvantes de luxo, porém, brilham. Elizabeth Banks parece se divertir como Rita Repulsa e demonstra um sadismo assustador como essa monstra que vê os humanos como brinquedos. Bryan Cranston dá um aspecto de tragédia a Zordon com o pesar profundo de alguém que está dividido entre o desespero do dever e a culpa do passado. E Bill Hader acerta todos os aspectos de Alpha-5, o simpático robô que ajudar os rangers e Zordon.
Para os que cresceram com a série, como este crítico, é impossível não vibrar com momentos bem conduzidos que homenageiam o material original. Para quem não conhece, é possível encontrar um arrasa quarteirões bem feito e divertido com muitos problemas pontuais que não ofuscam as qualidades.
P.S.: O filme possui uma cena pós-crédito que encherá os olhos dos fãs da série.