Desde 2004, sempre que se fala sobre filmes de viagem no tempo, é difícil escapar de citações a este Primer, que se tornou cult devido às mil e uma teorias que surgem quando os fãs tentam compreender a estrutura da trama. Como muitos filmes do subgênero, é fácil sentir medo dos possíveis e comuns buracos de roteiro antes de assisti-lo. Quando finalmente se vê a produção, porém, essa preocupação desaparece.
Não devido ao fato de que não existem buracos no roteiro, mas pela complexidade do mesmo. A trama acompanha Aaron (Shane Carruth) e Abel (David Sullivan), enquanto experimentam alteração de massa por meio de manipulação magnética. O objetivo é criar um produto novo para ficarem ricos, mas, quando resultados começam a aparecer, eles descobrem que criaram uma máquina que permite voltar no tempo.
Começam, então, as aventuras dos dois, com mais da metade da duração do filme. É preciso deixar isso claro: a estrutura de roteiro de Primer é extremamente anti-convencional. Leva quase uma hora para que Aaron e Abel comecem a viajar pelo tempo, e a produção como um todo tem menos de uma hora e meia. Apesar disso, o texto do roteiro prende justamente por ser difícil.
Demora para compreender o que os dois protagonistas fazem no porão, porque o roteiro em nenhum momento faz com que os personagens parem e expliquem os contextos. Tentar entender o que acontece nos detalhes das conversas é envolvente e faz com que o filme pareça um quebra-cabeças. Até as viagens começarem. Então, o filme explica por 10 minutos as viagens no tempo.
Se antes parecia complicado e difícil entender as coisas, deste ponto em diante se torna impossível. A trama de viagem no tempo passa a tratar de universos paralelos e duplicidade de personagens. Aaron e Abel, de repente, não são mais os únicos; pessoas do futuro começam a aparecer diante deles; e toda uma discussão sobre histórias contadas em fitas cassetes se mistura com a própria narrativa em voice-over.
Quando os créditos sobem, é impossível que uma pessoa tenha compreendido completamente tudo o que foi exibido. É preciso ver mais de uma vez, com atenção em pequenas pistas deixadas desde a primeira cena. Ou pesquisar na internet para ver o que outros pegaram, o que pode ser tanto uma qualidade quanto um defeito.
A direção do roteirista e ator principal, Shane Carruth, não ajuda. Ele usa ângulos estranhos, com iluminação que parece amadora, mas propositalmente. A intenção é fazer com que o filme pareça filmado com câmeras digitais caseiras colocadas pelo cenário para flagrar as ações. O que poderia funcionar tanto para aumentar a sensação de que os dois inventores fazem a máquina com poucos recursos, quanto para dar a impressão de que alguém os vigia constantemente. Talvez até uma versão deles mesmos do futuro.
Para aumentar a confusão, os cenários são todos com paredes que variam do branco para leves tons de bege e de pastel. Assim como as roupas de Aaron e Abel são sempre as mesmas: calça caqui com camisa social e gravata. Nunca se tem certeza se estão em algum lugar diferente, em que momento e qual deles é o do presente, do passado ou do futuro.
Primer é (quase) um filme experimental. A proposta dele não é necessariamente emocionar ou entreter com ação, suspense, tensão e beleza. Ele funciona de forma parecida com um ARG (Augmented Reality Game, ou Jogo de Realidade Aumentada). A diversão está em encontrar as pistas escondidas em detalhes pequenos que podem significar muita coisa. Uma fala no final do filme indica que certo objeto no começo significava outra coisa que indicaria outra. É elaborado, complicado e divertido… Para alguns.