Em 1967, o filme A Primeira Noite de um Homem abria com o enquadramento acima. Simples assim, com a imagem do então desconhecido Dustin Hoffman. Ele está sozinho diante de um fundo branco, olhando para a frente sem expressão. Parece qualquer coisa, mas foi o primeiro passo para o meu exemplo favorito de uma ferramenta de direção cuja qual sempre demonstra o talento de um diretor.
A cena está em zoom. A lente vai abrindo e revelando que o personagem de Hoffman está em um avião lotado de pessoas. Dá algumas informações importantes. Primeiro, o enquadramento dele sozinho no fundo branco sugere visualmente que ele está sozinho. Com a revelação do avião lotado, nota-se que ele está sozinho, mesmo com muitas pessoas ao redor. Mas além disso tudo, também é importante levar em conta que ele está em um meio de transporte que tem capacidade de levar muitas pessoas.
O filme se desenvolve com a história de um jovem que está apenas levando a vida adiante. Tal qual o enquadramento de abertura demonstra, ele o faz sem emoções. Ele acabou de se formar na faculdade e está voltando para a casa. Ele não escolheu fazer a faculdade, apenas fez o que se esperava dele. Como um bom garoto, estudou e levou a vida adiante como ela era disposta diante dele. Sem ambições, sem vontade, sem motivações. Apenas porque era o que tinha que fazer.
Daí, com a mesma habilidade com a qual o diretor Mike Nichols contou todos esses detalhes da história até este ponto, ele conta como Ben Braddock, personagem de Hoffman, acaba se envolvendo com a esposa de um sócio de seu pai e eventualmente se apaixona pela filha da mesma. Se o caso turbulento vai injetar alguma energia à vida de Ben, é o amor que despertará as emoções que ele nunca sentiu de verdade.
Como um bom romance, a união de Ben com sua amada será impedida até o clímax, quando fogem juntos. Quando o filme chega ao clímax, Ben e Elaine, a amada, entram em um ônibus, olham para a frente em silêncio e finalmente sorriem. O filme fecha neste momento com o seguinte enquadramento.
Agora vale notar algumas semelhanças do primeiro enquadramento do filme com este. Ben ainda está em um transporte coletivo e ainda olha para a frente, longe da câmera. Muito legal notar o que os dois tem em comum, mas mais importante que isso é levar em conta as diferenças. Agora Ben não está diante de um fundo branco, mas de imagens reais. Ele exibe um sorriso de alegria contrário à indiferença inicial. E o mais importante, não está sozinho.
Por que isso é tão importante? Porque Nichols está querendo dizer algo com essas escolhas. Usar enquadramentos que se referem um ao outro demonstra que os eventos do filme entre eles é uma jornada de transformação. Ben ainda seguia adiante na vida como diversas outras pessoas, mas com muitas mudanças. Literalmente, a vida dele ainda é a mesma, mas com algumas diferenças, todas muito bem representadas através do primeiro e do último enquadramentos do filme.
Eu simplesmente adoro essa escolha que alguns diretores fazem. Elas estão ficando cada vez mais raras, mas tive recentemente a grata surpresa de encontrar a ferramenta no filme muitíssimo bem dirigido, O Planeta dos Macacos – O Confronto. Apesar de o filme não abrir com a imagem que é refletida no final. Ela é a primeira imagem realizada com câmera para o filme. É apenas uma das demonstrações de porquê o filme é uma pérola de direção. Talvez até, no que vem à minha memória, um dos filmes mais bem dirigidos dentre os blockbusters do ano. Palmas para o diretor Matt Reeves.
Apenas preste atenção que você verá no filme.
Pode ter sido um pouco confuso, mas achei importante compartilhar essa ferramenta da narrativa cinematográfica. É uma das minhas favoritas, se eu fizesse um filme a utilizaria. Sempre que a vir em um filme, pode ter certeza de que este filme provavelmente é bem dirigido.
FANTASTIC…