O diretor chinês Ang Lee é hoje uma figurinha carimbada em Hollywood. Com exceção do filme que dirigiu sobre um certo super-herói, tudo o que comandou ganhou indicações a prêmios internacionais. O êxito começou na década de 1990, quando ele se juntava à atriz e comediante Emma Thompson para adaptar para os cinemas uma das obras clássicas da literatura britânica: o romance Razão e Sensibilidade.
Interessante que justamente um chinês tenha sido chamado para fazer uma versão puramente inglesa da história de Elinor Dashwood (Emma Thompson). Ela é a irmão mais velha, racional e contida de uma família fazendeira impedida de receber a herança do pai rico. Até a casa é passada para meio-irmãos de outro casamento. Quando vão conhecer o local, Edward Ferrars (Hugh Grant) um dos primos distantes se apresenta. A afeição entre os dois é quase imediata, mas ela vai descobrir que ele já está prometido em casamento com outra mulher.
Basta ter duas obras da autora Jane Austen para ser capaz de identificar características em comum entre os trabalhos dela. Mulher da Inglaterra do século XVIII ou XIX se apaixona por homem com quem será impossível se unir. Em meio aos conflitos, todo tipo de tramas sobre a vida entre a classe alta do período. Camadas de preconceito entre classes, personagens estereotipados aqui e ali. Acima de tudo, uma mocinha inteligente, moderna e que sabe dar mais valor a caráter que a dinheiro. E, óbvio, um romance para que as pessoas possam suspirar.
É uma fórmula velha. Tão velha quanto os romances de Austen, na verdade. Ela criou o clichê e existe uma razão para ter se repetido à exaustão. Ele funciona. Principalmente com ela, que o criou quando ainda era inovador. O que fez com que esta versão (é preciso ter em mente que livros como Razão e Sensibilidade têm inúmeras adaptações) tivesse tanto sucesso é a mistura entre a sensibilidade tanto do diretor quanto da roteirista e atriz principal Emma Thompson.
O título do filme e do livro se dá por conta do contraste entre Elinor com a irmã, Marianne (Kate Winslet). A protagonista segue as convenções sociais à risca e é terrivelmente racional, a ponto de aceitar os piores tipos de sofrimento para valorizar a retidão. A outra Dashwood, pelo contrário, não se importa com os padrões, apenas segue e sente os sentimentos ao extremo. A sacada de Thompson e de Lee é como retratar esses extremos.
O texto dela não explica, apenas cria as situações. A direção dele é sutil em se aproximar quase imperceptivelmente dos rostos dos atores quando eles expressam essas emoções. De forma mais inteligente, dá espaço para que Winslet seja abrasiva como a personagem e fecha em Thompson para que pequenos movimentos de sobrancelha digam como ela engole a dor. O único momento em que ela deixa os sentimentos explodirem é quando ela aparece de corpo inteiro.
É sutil, sensível e rico. Não se compara ao nível de detalhamento que Joe Wright deu para Orgulho e Preconceito anos depois, mas funciona maravilhosamente bem. A direção de arte é rica na reconstrução de época, assim como a direção de arte faz um trabalho maravilhoso em lentamente criar luzes douradas quando os personagens são especialmente calorosos. Mas nenhum dos aspectos técnicos passam do básico.
O filme não funcionaria se os atores não fossem tão maravilhosos quanto o texto e a direção. Lee abusa disso porque Thompson, Grant e Alan Rickman criam os personagens nos detalhes. Leves olhadas que indicam dor, trauma e a necessidade de estar com outra pessoa. Winslet cuida bem da parte exagerada com um ingenuidade na alegria não contida que a torna verossímil.
Enfim, uma adaptação tecnicamente perfeita de Jane Austen. Dá vazão para a força do material original, que é muito potente. Infelizmente, não acrescenta. Especialmente, parece mais uma expressão de Thompson, que é uma realizadora multifacetada, que do diretor chinês. Ainda assim, em outras mãos poderia ser um desastre retumbante.