Não há como falar de Roberto Rossellini sem ao menos citar sua importância estética para a construção de uma nova perspectiva cinematográfica. Um dos cineastas que “fundaram” o chamado neorrealismo italiano, Rossellini foi o grande cânone deste movimento, tendo produzido filmes que ecoaram pelo mundo, devido a uma visão diferenciada do cinema clássico, iniciando e dando os primeiros passos para a construção de um cinema moderno. Porém, justamente por receber esta “lápide”, este mérito diante de um movimento, que Rossellini se viu atrofiado pela crítica cinematográfica local.
Nascido na Itália em 1906 e herdeiro de uma família rica, Rossellini logo se viu influenciado pela arte – seu avô possuía uma casa de espetáculos. Começou a produzir alguns curtas, alguns documentários de cunho experimental e, logo em seguida, fez alguns filmes produzidos pelo governo fascista de Mussolini. Mas, sua grande contribuição veio a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, onde produziu três filmes que retratam momentos distintos da guerra que atingiu boa parte da Europa. Nestes filmes, enxerga-se a essência do cinema de Rossellini e junto a este, do neorrealismo italiano.
O movimento neorrealista, conhecido por utilizar atores não profissionais, locações e tratar de temáticas sociais, esbarra na sua própria definição do senso comum. Pois, se assim não o fosse, não levariam os italianos a culpar Rossellini por desvincular de seu próprio cinema as “regras” do movimento italiano.
Entre discordâncias da escola católica e do partido comunista italiano para se apropriar do título do movimento italiano, o cinema de Rossellini surgia para planar sobre tais discussões, pois, o seu sentido estava acima de definições políticas e ideologias sacramentadas. O cinema de Rossellini veio implodir como puro e, junto dele, os primeiros filmes do neorrealismo italiano.
Roma Cidade Aberta é o primeiro filme de Rossellini que busca, dentro de moldes não tradicionais, uma demonstração da realidade ou, pelo menos, uma faceta dela. Suas cenas passeavam pelas ruas de Roma, pelas casas, pelos corredores de um edifício velho e pouco preocupavam-se de fato com a pontualidade narrativa. As preocupações aqui eram maiores, eram mais humanas. A temática social, presente no primeiro, continua a fazer parte dos dois filmes seguintes que ainda retratavam e contextualizavam a Segunda Guerra Mundial (Paisà e Alemanha Ano Zero). E, neste ponto, a crítica de esquerda e o partido comunista se viram abraçados e aclamaram as películas produzidas por Rossellini, mas o criticaram quando este deixou a temática social de lado nos seus três filmes seguintes (Stromboli, Europa 51 e Viagem à Itália).
“Não existe uma técnica para capturar a verdade. Somente uma posição moral pode fazê-lo.“
É neste ponto que a discussão sobre o que é o próprio neorrealismo e quem é o próprio Rossellini vem a calhar. Como dito anteriormente, a definição muitas vezes rasa do que seria o movimento italiano que se iniciou na década de 40, confunde-se como conceito exato e fiel de uma estrutura cinematográfica. Em Rossellini, trata-se não só apenas de um cinema com preocupações sociais, mas, sim, de uma consciência moral em relação aos objetos fílmicos – trata-se de uma estética. No caso de seus primeiros, uma alusão à Segunda Guerra e suas consequências se fizeram necessárias já que a criação de uma consciência para com os fatos se fazia necessária.
Os filmes de Rossellini, como um todo, não possuíam algum tipo de apelo social. Eles eram e são simplesmente humanos. O diretor italiano não delimitava-se apenas em avançar a narrativa, preocupava-se com um todo estético diante da criação da mise en scène, interessava-se em dar a vida a seus homens. Seus personagens faziam parte de um ambiente inadequado e estes transitavam pelo meio em busca de uma moral, seja ela social ou espiritual. O fazer cinema para Rossellini estava além de um cunho político, construía-se de modo enxuto, verificando no humano a simplicidade. Para ele, a realidade estava apenas como aparato de exportação para uma visão de mundo. Por isso, seus filmes, muitas vezes de finais abertos e de definições inconstantes da narrativa, se perdiam diante da próprio conceito raso criado sobre o movimento neorrealista.
O mundo cinematográfico de Roberto Rosselini nos presenteia com a variação estética, com a possibilidade de um novo cinema que participa da realidade, mas que a busca em outro plano, em outra definição. A realidade fragmentada que parece dispersar-se define uma parcela da vida, do humano, do que se pode enxergar de puro no ser. E é neste ponto e através desse viés que um dos maiores diretores italianos surge como expoente para uma geração e para o cinema moderno como um todo.
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