“Seems like a dream”
Aqueles que já puderam evidenciar a película mais trabalhada e mais bem elaborada de Harmony Korine com certeza ficaram com a imagem da música Everytime da cantora pop Britney Spears acompanhada de passagens em câmera lenta de uma vida inconsciente da realidade, que não mede, de fato, as consequências. Por esta sequência marcante e pelo filme como um todo, Korine consegue, em seu primeiro filme voltado para um público maior, atingir uma maturidade imagética e uma narrativa profunda que nos leva a acreditar num mundo que supera a própria condição real. Saindo da realidade distópica de Gummo, Korine, em Spring Breakers, avança rumo à utopia da felicidade eterna.
Spring Breakers conta história de quatro garotas que curtem uma temporada incessante na Flórida no chamado Spring Break. Neste resumo, pouco se pode entender do filme. A localização serve apenas como um cartão postal simbólico de um objeto de consumo da maioria dos jovens. Para compor a atmosfera e despertar no espectador questionamentos em relação à possibilidade de alcançar um momento ápice da felicidade e uma relação de fuga para com a realidade, através de objetos de consumo, Korine utiliza quatro garotas bem conhecidas do público masculino americano (entre elas Vanessa Hudgens e Selena Gomez). E, não, Korine não tem interesse, e nem intenção, de proclamar junto às jovens algum tipo de discurso estereotipado sobre seus personagens, pois a mudança não nos é palpável do início ao fim. Não existe redenção.
Spring Break Forever!
As primeiras imagens do filme já denotam que Korine não nos quer passar a sensação de uma instigante felicidade momentânea e sim um momento quase congelado no tempo. As proliferações dos corpos joviais em slow transportam-se para a tela num poder reflexivo sobre a possibilidade de fuga, realocando o mundo particular (individual) a um sentido de existência única e mística.
Korine busca de certa forma sempre abordar em seus filmes esta discrepância do real com a modelagem de seus filmes. Em Spring Breakers é onde ele consegue aproximar-se mais ainda deste mundo, pois a utopia de um mundo extasiante torna a subversão das imagens uma força vociferante, inquieta.
Quando Korine decide se apropriar da vida das garotas para podermos visualizar um mundo aparentemente desconhecido, vemos, na verdade, a apropriação territorial que nos oferece uma forma de renascimento para outro mundo (o Spring Break). Estes desejos nada mais são que objetos que sempre estamos prontos a consumir diariamente, sejam eles expostos em vitrines, em outdoors. Como disse o personagem Allen, interpretado por James Franco, lá, num mundo além terra, pode-se viver o americam dream. E, de certa forma, é onde Korine busca contextualizar seu filme. Todos estes desejos e anseios não foram criados por nós. Não nos comporta a agonia do viver num estado “apenas humano” e, por isso, a força abrupta dos meios que nos desvencilham da nossa realidade mórbida surgem como a fuga essencial sem que, ao menos, possamos medir as consequências disso ou daquilo.
E, como o próprio Korine aborda, enquanto rezamos e proclamamos pelo divino, procuramos ainda algo além dele, que se desvirtua do que seria a própria redenção, e buscamos o “pecado”. Mais uma vez Korine aborda a religião dentro de sua trama, mostrando através do homem a simplificação das respostas pelo religioso e que, porém, não se sustenta apenas deste modo. Por isso que, quando colocados lado a lado, a religião e o profano deixam claras a ironia e a ambiguidade que o ser humano carrega ao evocá-las. Korine adiciona em voice over as vozes das personagens dizendo, com sutileza e uma inocência imensa, para os seus parentes como andam as coisas no Spring Break enquanto as imagens nos transmitem o contrário.
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E é aqui, onde o som e as falas em off ganham mais força no sentido de que estes elementos trabalham diante de um filme meticulosamente trabalhado em imagens esparsas que estão unidas apenas para delinear a narrativa fílmica. Não existe um interesse em construir algo extremamente orgânico por parte de Korine, mas sim em buscar nas imagens um impulso para os questionamentos que o filme promove juntamente com a parte sonora, que reage no caminho oposto da imagem, retrucando-a. O diretor busca estreitar esta relação entre a imagem e som como forma de enunciar as discussões que o filme promove do início ao fim.
No sentido imagético, o filme nos fornece uma amalgama de contrastes. A luz e a fotografia trabalham para que a sensação lúdibre enriqueça atmosfericamente a película. As imagens em câmera lenta funcionam como um ciclo temporal sistemático, onde aquele fluxo de acontecimentos deve – por que não? – ao passear pelos rostos e corpos alheios, manter-se até a plenitude. Até poder encontrar o seu destino final, pois até aqui o único que lhes foi passado é que a “liberdade” deveria ser consumida.
Por isso, de certa forma, o desfecho do filme muitas vezes causa reações das mais adversas nos espectadores. Estamos rotineiramente acostumados a buscar na redenção ou na morte a resposta para aqueles que passam por cima do senso comum ou da lei. Mas em Spring Breakers, Korine não julga aquelas garotas. Longe disso! O diretor americano percorre seus desejos, estampando em tela suas vontades. A fuga da realidade pelo meio que sempre as consumiu é, agora, de certa forma, consumida por elas, que vivem aquele momento como estopim da realidade.
Não à toa, como dito no primeiro artigo sobre Harmony Korine, Spring Breakers alcança um interessante legado dentro do cinema. Sua construção dicotômica, transgressora da realidade, visita o lado mais inquieto do ser humano, talvez o mais obscuro. Aquele que reage (existe!) de forma inconsciente, mas que evita o encontro com a realidade, pois, afinal, somos humanos decentes e filhos de Deus. Ou não.
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