Mary Poppins é um clássico de mais de 50 anos. Um dos motivos pelo qual é um clássico é a sua mensagem final, a ligação de paternidade entre as crianças e o pai, o Senhor Banks. É algo que sempre me tocou e que me fez amar o filme desde minha infância. Também é o motivo pelo qual foi impossível para mim assistir a Saving Mr. Banks com objetividade.
O filme se propõe a acompanhar as duas semanas em que P. L. Travers, a autora dos livros da Mary Poppins, passou em Los Angeles enquanto Walt Disney e seus colaboradores tentavam convencê-la a lhes vender os direitos da personagem. O que gera imediatamente diversas polêmicas.
A começar pelo fato de que a distribuidora do filme é a própria Disney. E qualquer um sabe que a Disney vende a imagem de seu criador como a de um Midas da criatividade e da inocência. Até certo ponto o filme vende esta imagem da pessoa que ele era, mas deturpando-a para que ele nunca apareça como um vilão, por mais que existam casos bizarros de seu comportamento para com outras pessoas. Inclusive com a senhora P. L. Travers.
Ela é a protagonista deste filme. Uma senhora inglesa esnobe e amarga que precisa verificar a adaptação de sua personagem para um filme por problemas financeiros. Vender a babá mágica era um ato de desespero, não de disponibilidade criativa. O que não impede o roteiro de criar momentos exagerados de sua rabugentice. Em uma cena ela destrata uma aeromoça e logo em seguida uma mulher que a ajudou apenas porque a boa samaritana tem um filho.
Ao mesmo tempo, nas cenas solitárias dela, existem diversas falas fora de lugar que servem apenas para explicar coisas que não precisavam realmente de explicações. Por outro lado, pequenos momentos de interação dela com outros personagens ganham pequenas sutilezas que seguem em caminhos completamente opostos. Em uma cena ela senta-se para conversar com seu motorista na grama. Ele expõe sua situação. Nunca a vemos respondendo diretamente para ele, mas sabemos que o que ele diz tocou a mulher.
Grande parte desse mérito é mais da atriz que do diretor, mas a direção acerta em pequenos momentos. Apesar de, no geral, errar feio com a cinematografia. Existe uma cena na qual Travers confronta o Mickey como uma representação de tudo o que a Disney representa. Nesse momento funciona, infelizmente outras cenas com Travers dialogando com o boneco causam vergonha.
Apesar de tudo, o filme não tem medo de demonstrar os hábitos feios de Disney, como o vício em cigarro e o gosto por bebidas alcóolicas. Aos poucos o realizador estadunidense aprende com Travers que Mary Poppins não é sobre a babá e as crianças, mas sobre o pai.
Daí segue a outra linha narrativa do filme. Em paralelo à história principal, conta-se a infância de Travers em um ambiente bucólico forçado no qual vemos explicações pseudo-analíticas para a amargura de Travers.
É onde o filme pega mais pesado. É a história de uma tragédia familiar muito densa e que conta com alguns momentos muito bons alternados com outros um pouco constrangedores. Como a representação do alcoolismo do pai de Travers é apresentada com sutileza, apesar de passar para o melodrama óbvio em um momento.
O que mais incomoda, no entanto, é que o filme altera fatos reais conhecidos. Ao contrário do que é mostrado na versão cheia de floreios atualmente em cartaz, a autora odiou a adaptação de seu livro para o cinema e passou o resto da vida com rancor do Walt Disney. Mas é claro que o estúdio jamais deixaria que essa imagem negativa do homem fosse apresentada e o que vemos no final de Saving Mr. Banks é uma cena bonita da autora enfrentando diretamente a imagem do próprio pai. Coisa que nunca aconteceu de verdade.
Ainda assim, achei bonito e fiquei profundamente emocionado. Não por valor do filme, mas por conta de minhas lembranças pessoais com o clássico com a Julie Andrews. Foi um filme que me impediu de ver este com objetividade, uma vez que sempre que a música Let’s Go Fly a Kite tocava já me encontrava com os olhos marejados.
Por sinal, a trilha é um primor. Thomas Newman acerta em cheio ao utilizar as canções de Mary Poppins para ilustrar a jornada emocional de Travers. Não à toa, o filme ganhou uma indicação ao Oscar de melhor trilha sonora.
Tom Hanks está interpretando a si mesmo, e não o Walt Disney. A Emma Thompson é excelente nos momentos tocantes de Travers, mas está péssima como a caricatura do britânico chato e esnobe. De resto, só se salvam o Paul Giamatti como um motorista que carrega nos ombros uma tragédia pessoal e o Colin Farrell como um pai que foge da pressão do emprego através do álcool.
Saving Mr. Banks tem bons momentos costurados com diversos outros exagerados, tolos e o pior, manipuladores. Ainda assim, vai emocionar o espectador que cresceu com o clássico filme da babá que voa em um guarda-chuvas com um cabo de papagaio falante.
GERÔNIMOOOOOOO…