Rodando pelos estúdios desde 2007, o roteiro The “F” Word entrou na chamada Black List de roteiros adorados pelos envolvidos com a indústria que nunca conseguem virar filme. O texto finalmente foi filmado e ganha os cinemas dia 25 de setembro. O nome original, que brinca com a expectativa da palavra “fuck” (mesmo que signifique friendzone na trama), virou What If em território americano para evitar censura. Por isso chega no Brasil como Será Que?
Wallace (Radcliffe) abandonou a faculdade de medicina quando sua namorada e colega o traiu. Um ano depois de muito luto e solidão, ele conhece Chantry (Kazan), por quem sente uma atração mútua. Os dois se dão muito bem, mas Chantry tem um namorado. Admitem que gostam tanto da companhia um do outro que decidem tentar ser apenas amigos.
A discussão básica é bem simples. É possível que um homem e uma mulher sejam apenas amigos sem que interesses românticos abalem o relacionamento? Em contrapartida, diversos conflitos paralelos são colocados em pauta. O amor é desculpa para agir de forma errada? Ser cético é frigidez ou romantismo? Até que ponto se deve colocar carreira e relacionamento em prioridade?
Wallace é um cínico declarado. Improvisa poemas sobre os malefícios do amor, discursa sobre os defeitos de relacionamentos e acredita plenamente no amor romântico. Quando explica estes conceitos para Chantry pela primeira vez, ela resume ao dizer “Não sei se você é extremamente cínico ou incrivelmente romântico.”. Os pais do rapaz se divorciaram por conta de traições, grande parte dos relacionamentos que testemunhou iniciaram com traições e seu último ano de solidão se dá por conta de uma traição. Ele acredita e quer um grande amor que preencha sua vida, mas a realidade não condiz com suas expectativas, por isso ele é um cético.
Wallace solitário. Cinismo e romantismo.
Chantry, por outro lado, está há cinco anos em um relacionamento estável e vive com o namorado. Não discursa contra, nem a favor de romances. Não julga os amigos e conhecidos que traem ou que querem trair. Também não fala sobre vontades sexuais ou coisas do tipo, mesmo que tenha uma vida sexual bastante ativa. Ela se destaca no universo aberto e honesto sobre flerte e sexo do filme justamente por ser tão bem resolvida em relação ao assunto. Isso é, até que conhece Wallace.
Os outros personagens servem apenas para ser reflexos dessas questões. O melhor amigo de Wallace se apaixona perdidamente por uma mulher, só descobre que ela tem namorado depois de uma noite tórrida de sexo. Ela abandona o namorado para começar uma relação com ele. Basicamente, ele está lá para servir de contraponto para os pontos de vista do protagonista. O mesmo se dá com todo o elenco. Suas profundidades são um pouco baixas, mesmo com o namorado de Chantry, que deveria ter mais destaque na trama, mas em comparação com os dois, todo mundo acaba virando uma espécie de estereótipo exagerado.
Desse exagero, diversas cenas de comédia vão um pouco longe demais para fazer rir. Quando Wallace conhece Ben, o namorado de Chantry, ele aparece mais como um maníaco estabanado que sofre um acidente constrangedor, mesmo que hilário. Depois dessa apresentação fora de contexto, o cara vira uma espécie de namorado perfeito. Sua apresentação foi feita para criar antipatia com o espectador e fazer com que o mesmo torça por Wallace. É apenas uma das conveniências da trama.
Wallace é uma espécie de amigo perfeito para mulheres. Acompanha Chantry na hora de comprar roupas, se permite embriagar com ela quando ela fica chateada. Sua vida pessoal é basicamente nula e ele vive para ser este amigo perfeito da garota. Os dois vivem passando por momentos casuais que convenientemente os faz ter que encarar os sentimentos que não dizem. Vão às compras, a roupa que ela está experimentando prende no provador e ele tem que entrar para ajudá-la. Saem com casais de amigos e constantemente são forçados a ficar sozinhos após algum diálogo sobre rotina romântica ou sexualidade. O ápice disso se dá quando vão à praia com um casal de amigos e tem suas roupas roubadas após um mergulho, o que os faz passar tempo juntos como vieram ao mundo.
Wallace ajuda Chantry com roupas. Situações forçadas e convenientes.
O diretor Michael Dowse não ajuda nesse quesito. Não constrói bem as cenas porque está muito focado em usar uma linguagem jovem típica de filmes canadenses que discutem relacionamentos. Em (500) Dias com Ela e Scott Pilgrim Contra o Mundo funciona porque a linha narrativa desses dois acompanham os processos de pensamento de seus protagonistas. Aqui, porém, ele usa a montagem dinâmica para acompanhar os meios de comunicação digital moderna. Sem acompanhar um raciocínio, faz com que os momentos mostrados em cena pareçam aleatórios. Por outro lado, serve muito bem ao timing cômico por ser dinâmico.
É onde o roteiro e a direção entram em sintonia. Os diálogos mudam de tópicos sérios como carreira para sistemas digestivos e hábitos alimentícios em apenas uma frase. Por mais que a ideia pareça estranha, faz com que todos os personagens sejam mais humanos. Não importa se a pessoa é um executivo importante ou um estudante com desapego a questões maiores, todo mundo fala sobre sexo, sobre higiene e sobre pequenas inutilidades. A direção de atores dinâmica faz com que os personagens tenham desenvoltura e pareçam pessoas comuns.
Daniel Radcliffe é muito simpático, uma vantagem que é útil para qualquer ator. A cada filme ele melhora um pouco mais suas capacidades de interpretação, isso desde o primeiro Harry Potter. Aqui ele está muito bem. A Zoe Kazan é espetacular. Já tinha demonstrado seu talento antes em Ruby Sparks, mas com Chantry revela que é capaz de criar diferenças sutis para fazer personagens diversos. Ela está tão bem que sempre chama a atenção para si quando está em cena. Radcliffe respeita essa capacidade e dá espaço para que ela se expresse, mas nunca se permite sumir diante dela, demonstrando um grande domínio de cena. De resto ninguém é conhecido. O melhor amigo de Wallace, interpretado pelo Adam Driver, vai se tornar muito famoso em breve porque estará no novo Star Wars, mas sua participação é supérflua.
Apesar de sérios problemas de condução e momentos forçados, Será Que? é uma comédia romântica que tem algo a dizer e o faz muito bem. Sem contar que é divertido, direto, honesto e se propõe a discutir coisas que comédias românticas não o fazem normalmente.
ALLONS-YYYYYYYYYYY…