Serra Pelada era uma produção necessária para contar parte da história do Brasil. Mas sempre foi evitada pela sua complexidade. Os eventos do final da década de 1970 e começo da seguinte são considerados a maior concentração de trabalhadores braçais desde as construções das pirâmides. Foi um foco que representou um lado do Brasil que foi facilmente esquecido, com exceção daquele filme dos Trapalhões que tratava do assunto.
Joaquim e Juliano são dois paulistanos que vão para o interior do Pará para tentar encontrar a riqueza fácil minerando a Serra Pelada. Mas a corrida por riqueza e o número de pessoas acabam transformando o lugar em uma terra sem lei, que vai corrompendo os dois amigos de formas diferentes.
Quando foi descoberta a quantidade de ouro na montanha, cem mil homens mudaram-se para o local. Para contar a história do evento como um todo foi preciso foco. Por isso mesmo o roteiro conta a história de Joaquim e Juliano. Os dois vão para Serra Pelada com intenções inocentes, assim como todo o resto. Chegando lá, passam por todas as experiências que o local pôde oferecer para quem foi.
Cem mil homens e tanto ouro significou uma coisa, ganância. Com tanta gente e sem nenhuma administração o lugar virou uma terra sem lei, que criou excesso de violência e prostituição nos arredores.
Daí surge o diferencial de ter um grande diretor como o Heitor Dhalia. Serra Pelada é uma mistura de western com o máximo da cultura brasileira. Ao mesmo tempo em que veremos planos detalhes de rostos sujos e mal cuidados preenchendo a tela, também teremos muita câmera na mão, com trilha brega, sotaques fortes e brasilidade extrema.
Dhalia faz comparações significativas. Os homens mais poderosos e que mais controlam as terras são chamados de capitalistas. Mas Joaquim, que eventualmente consegue algum poder, se torna um patrão mais consciente e piedoso. Eventualmente ele começa a ser chamado de comunista. O que, em tempos de ditadura militar, era muito sério. Enquanto isso, Juliano se torna o típico capitalista do local. Assassino, criminoso e traficante.
Os dois melhores amigos de infância começam a passar por um processo de corrupção pessoal. De forma bem distinta. Enquanto Joaquim vai para lá em busca de dinheiro para sustentar a mulher e a filha, Juliano vai para fugir de dívidas de agiotas. Com a eficiência e a inteligência de Joaquim, os dois começam a lucrar e a chamar a atenção de interesseiros.
É quando fica claro que a malícia e eventual maldade de Juliano fazem a diferença. Joaquim teria morrido muito cedo se contasse apenas com sua astúcia e moral. Mas é o corrompimento de Juliano que os faz ficar poderosos e ricos.
A transformação de Juliano é bem parecida com o da série Breaking Bad. Ele começa apenas querendo juntar dinheiro. Depois mata em defesa própria e fica estarrecido ao descobrir que gostou da sensação de tirar uma vida. Pouco a pouco ele vai começando a se comportar mais de forma psicótica.
Enquanto isso, Joaquim observa desesperado e impotente a transformação do amigo. Começa também a passar por sua corrupção pessoal, fomentada por vingança, raiva e desespero. Através desses dois homens, o filme cria o panorama do que foram aquelas pessoas que transformaram uma montanha em um buraco no chão.
Dhalia filma as pessoas sujas de lama e terra. Constrói imagens de homens que se confundem com o solo. Com suas peles escurecidas pelo sol e pela sujeira, cheias de depressões e marcas. Algo bem tomado dos faroestes do Sergio Leone.
O elenco brilha, com atuações fortes dos protagonistas Juliano Cazarré e Júlio Andrade. Mas todo o elenco de apoio os acompanha com a mesma intensidade. Matheus Nachtergaele e Wagner Moura parecem dois vilões de Miami Vice, mas truculentos e perigosos como o cenário pede. A surpresa fica, no entanto, com a estreante nos cinemas Sophie Charlotte. Ela é dona de uma beleza enorme e possui alguns dos momentos mais fortes da produção, com direito a nudez em meio a cenas de sexo tão viscerais quanto o resto do filme.
O que incomoda mais é que o ritmo é um pouco lento, causando um pouco de cansaço no decorrer da sessão. Mas a obra de Dhalia é um filme forte, com um estilo bem específico que denota a originalidade de um dos grandes diretores brasileiros atuando no mercado.
FANTASTIC…