Sniper Americano levantou algumas discussões bizarras entre o meio cinematográfico. Enquanto grande parte da crítica nacional reclama de temas nacionalistas estadunidenses, outra fala mal de valores técnicos. Em meio a tudo isso, um diretor cuidadoso do estilo narrativo clássico e publicamente contra a intervenção bélica dos Estados Unidos em outros países. Polêmica pouca é bobagem.
Chris Kyle (Cooper) foi um dos soldados americanos enviados para o Afeganistão após os atentados de 11 de setembro. Como tinha boa mira, ele ficou com o cargo de sniper e se tornou o franco-atirador que mais matou pessoas na história militar dos Estados Unidos. Entre as seis campanhas nas zonas de guerra, ele confrontou outro sniper, um sírio, enquanto tentava manter uma vida familiar com a esposa Taya (Miller) e os filhos dos dois. Kyle acreditava piamente no valor do que fazia nas campanhas militares por razões religiosas e patrióticas, mas o que esse tipo de crença numa guerra faz com uma pessoa? Eastwood tenta abordar as complexidades do que a guerra faz na psique de alguém como Kyle.
Bradley Cooper. Mergulho na psique de um soldado.
Jason Hall, o roteirista do filme, conta duas histórias em paralelo. De um lado, a briga direta de Kyle com o sniper Mustafa. De outro, o casamento turbulento dele com a esposa. Uma história se reflete na outra e conduz para o final, no qual ficam claros quais os problemas psicológicos que se abateram sobre o veterano e como eles se manifestaram na vida privada. Diálogos bem escritos emulam estilos típicos do sul do país e das zonas de guerra sem perder o foco do que cada cena deve desenvolver. A cena em que Kyle e Taya se conhecem se passa em um bar, onde os dois flertam. Enquanto outros abordam a mulher normalmente, Kyle respeita a necessidade dela de espaço sem deixar de demonstrar interesse com perguntas bem colocadas.
Eastwood usa de muitas câmeras de ombro para criar estilo documental. Nos momentos da guerra, parece que o cinegrafista segue os soldados. Quando Kyle participa de uma investida contra uma residência, ou a técnica faz com que o espectador se sinta atrás dos americanos, ou faz com que ele se sinta dentro de um cômodo abordado por eles. Para apresentar algumas crueldades, parece cinegrafista de jornal televisivo. Na cena mais forte, um afegão tortura e mata uma criança. A montagem corta entre Kyle, tenso, em busca de impedir o ato (com a câmera nervosa ao seu lado por conta das balas inimigas) para as imagens de uma furadeira que se aproxima de uma cabeça. Eastwood mostra apenas o bastante para sugerir visualmente o que acontece e corta para reações de outras pessoas chocadas com o que veem. Não é explícito, mas é o suficiente para impressionar.
Ainda assim, problemas técnicos na produção incomodam pontualmente. Diversas das mortes na zonas de guerra contam com sangue digital visivelmente falso. No primeiro assassinato de Kyle, o líquido se destaca sobre a sujeira do local e está pixelado. Mais a frente, a famosa cena do bebê falso é como uma pedra no sapato. Neste momento específico, os atores parecem desconfortáveis e o boneco estático quebra qualquer imersão que houvesse ali. Outras diversas cenas são muito bem feitas. Imagens de drones de combate com tanques e caminhões digitais funcionam muito bem.
Infelizmente, um dia depois de o roteiro do filme ser finalizado, Kyle foi morto. Então uma cena rápida e estranha foi acrescentada ao final da produção. Ela destoa do resto e soa como adoração exacerbada ao ideal patriótico americano. Mesmo que o resto do longa não o faça.
O nível de entrega de Bradley Cooper é extraordinário. Ele parece com um redneck do Texas. Inclusive, ficou enorme para o papel. Se existem atores que ficam fortes, poucos ficam gigantes. Cooper parece ocupar o espaço de três dele na forma normal. Sienna Miller também está ótima como Taya. A britânica não derrapa no sotaque sulista dos Estados Unidos e transita naturalmente entre os sentimentos complexos da personagem.
Kyle acompanha o caixão de um colega. Culpa de sobrevivente.
Entre problemas com pequenos defeitos técnicos, Sniper Americano cumpre o que promete. Revela o lado sombrio por trás do patriotismo exacerbado na mente das pessoas que vão para a guerra. Neste caso em especial, é um mergulho das consequências da chamada “culpa de sobrevivente”.
GERÔNIMOOOOOOOO…
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