Um dos grandes problemas de se fazer um remake, seja qual for a proposta, é que ele sempre vai sofrer com a comparação e a expectativa. Isso é pior ainda quando a intenção dos novos realizadores é fazer algo deles, apenas com leve inspiração no material original. É justamente o caso da releitura de Suspiria, clássico do movimento Giallo.
Assim como o original, este acompanha uma jovem americana chamada Susie (Dakota Johnson) que chega a uma escola de dança alemã sem saber que se trata de um esconderijo para uma convenção de bruxas. E é mais ou menos aí que acabam as coisas em comuns entre os dois filmes.
Isso porque a intenção do roteirista David Kajganich e do diretor Luca Guadagnino é fazer algo deles, e não uma homenagem ao original. Assim eles cria uma base no mesmo grotesco por trás dos eventos na escola de dança, mas com o objetivo de aprofundar em pequenas questões não abordadas pelos criadores do filme de 1977.
Há várias comparações dos complôs entre as bruxas mestras, as duas representadas aqui por Tilda Swinton, com o que ocorre nas ruas de Berlim em 1977, ano que se passa a história. É quase uma reflexão sobre a Guerra Fria no coração do evento, a capital dividida. E como existe algo de horrendo feito com os cidadãos usados como peões nesse embate, aqui retratados como as alunas que funcionam como cobaias.
Ao mesmo tempo, Guadagnino e Kajganich querem discutir sororidade. Ou as consequências da falta dela. No caso da convenção, é como se as bruxas não percebessem o mal de não apoiar as alunas por também serem do mesmo gênero. Não é à toa que o diretor escolheu um elenco diverso para as dançarinas, com destaque especial para uma garota mais alta que a média feminina, como mandíbula quadrada e ombros largos. Não há diferença na hora dessas mulheres constituírem uma irmandade.
E reflexo é a palavra certa, uma vez que o diretor está interessado em fazer uma obra cheia de abstratismos. Existe uma história na superfície sobre uma preparação para um ritual, mas por baixo há vários simbolismos usados à exaustão, como espelhos, reflexos, cabelos e a cor vermelha. Nada explicado detalhadamente, porque o que vale é a opinião do espectador, e não o que Guadagnino quis dizer.
O que certamente faz parte de um dos maiores problemas do novo Suspiria. A produção é mais uma obra abstrata que um filme de terror. Há os momentos perturbadores. Principalmente com dois dilaceramentos de vítimas das bruxas, e o clímax sangrento. Mas é mais violento que assustador ou aterrorizante.
Por isso mesmo, é melhor que o interessado na produção não vá com o interesse de ver um horror, mas algo mais introspectivo, lento, e difícil. É mais sobre a perspectiva do visual e da ambientação, que sobre os eventos. Tanto é que o filme não tem protagonista. Pela sinopse alguém poderia dizer que é Susie, mas ela só toma uma decisão rápida no clímax.
Na verdade, é mais como se o espectador fosse o protagonista, que espia pela escola e apenas assiste essa preparação e esse ritual final. Sem grandes reviravoltas, apenas muitas reflexões para carregar para casa.
Guadagnino foge do padrão do gênero ao fazer cortes rápidos e bruscos de câmera, como se alguém de repente sentisse uma presença ou um perigo na proximidade e virasse a cabeça de uma vez em busca de algo que viu de canto de olho. O que causa uma sensação constante de que algo ruim vai acontecer sem que esperemos.
Aumenta essa impressão o trabalho conjunto de direção de arte e de fotografia, que diminuem a tonalidade e a saturação de ambientes frios. Quase uma reconstituição da noção de frio que vem da Alemanha Oriental do período. No entanto, das mulheres, do sangue, e da força feminina, o vermelho vivo como sangue se destaca.
É um belo filme cheio de nuances e simbolismos, mas certamente não é um filme para os fãs de terror. Quase não deveria ser chamado de Suspiria, de tão diferente que é do original, apesar das inúmeras referências, como a contratação da atriz principal, Jessica Harper, para uma ponta, ou alguns ícones repetidos. Sofre com uma duração desnecessariamente longa, mas deve prender a atenção de quem gosta do estilo.