Se tem algo que filmes de terror têm pecado, recentemente, é em confiar demais em sustos e em computação gráfica. Poucas obras de horror que trabalham com ambientação, conceito e efeitos práticos podem ser conferidas no cinema. O surgimento deste The Void promete um sopro de originalidade com base em coisas passadas.
A sinopse é confusa: um policial do interior encontra um homem ferido em uma noite e o leva para o único lugar que pode atendê-lo naquele momento, um hospital que vai ser fechado depois de um incêndio. De repente, dezenas de pessoas com capuz branco e um visor triangular cercam as premissas; dois caçadores invadem o centro de saúde; pessoas começam a matar umas às outras sem motivo e uma criatura começa a crescer de dentro do rosto de um dos mortos.
Tanta confusão e bizarrice têm motivo. Trata-se de um filme do subgênero conhecido como terror cósmico, criado na obra literária de H. P. Lovecraft, que usava criaturas e conceitos alienígenas como cores desconhecidas e seres que, só de olhar, são capazes de enlouquecer homens. O horror se esconde, literalmente, além dos limites da compreensão humana.
E essa é parte da graça de The Void. É um filme que tem um terror incompreensível. Também é o motivo pelo qual o enredo inicial é tão confuso. O roteiro dos diretores Jeremy Gillespie e Steven Kostanski tem todas as causas e efeitos planejados para conduzirem ao final da produção, mas não explicam tudo detalhadamente. Isso faz a jornada do policial Daniel Carter (Aaron Poole) pelo hospital ser tão caótica e perturbadora.
Cada diálogo de quase todos os personagens, até os que parecem apenas rufiões grosseiros, são importantes para compreender a linha temporal do roteiro. A única coisa que ficam sem explicação é a origem dos poderes malignos do que ocorre na trama. E isso é ótimo. Não é para entender o que são os triângulos ou o que acontecerá depois que as pessoas cruzarem certas barreiras e portais. Detalhar essas coisas apenas deixaria tudo menos impactante.
Para fortalecer isso, todos os monstros e distorções corporais decorrentes deles são realizados por meio de efeitos práticos. O que é uma tentativa dos diretores de remeter a clássicos de horror da década de 1980, como Hellraiser e O Enigma de Outro Mundo, que usavam e abusavam de criaturas bizarras feitas com plástico, borracha e até chiclete. Aqui, a ideia é que as coisas grotescas que pulam de corpos e perseguem pessoas sejam incompreensíveis, mesmo que possíveis de ser vistas inteiramente na câmera.
Tudo lateja, pulsa, tem viscosidades que escorrem pelas partes dos corpos, tem pelos, tentáculos e são escuros, mas não são compreensíveis justamente por serem extremamente disformes. Também pelo uso inteligente da iluminação, que preenche os ambientes com luzes de compensação que variam nas cores vermelhas, amarelas e brancas. A primeira indica que os locais estão no ápice de absorção do “outro mundo”, o segundo que a situação envolve perigo e o terceiro é a normalidade.
Infelizmente, o filme foi feito com financiamento via crowdfunding, o que faz com que o orçamento seja apertado. Não deveria ser um problema uma vez que muitos dos grandes filmes já feitos tinha pouco dinheiro, mas aqui fica evidente quando um ou outro bicho não se move adequadamente ou quando a montagem esconde metade do movimento dele.
Apesar desse pequeno problema, The Void é um festival de originalidade dentro de um mercado de terror recheado de filmes de casas assombradas com centenas de sustos. Assustar é fácil, mas criar medo é difícil. E o filme o faz bem ao buscar estilos, conceitos e referências do passado. Uma ironia mais que bem vinda.
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