Quando se fala de cinebiografias, é preciso compreender porque a vida desta ou daquela pessoa é interessante o suficiente para virar uma narrativa em um meio de massa. Quando se pensa em artistas, é complicado separar a arte da pessoa. Muitos se empolgam em ver características de livros, músicas e outras coisas por toda a vida do criador, mas se esquecem que a existência dele ou dela é maior que isso. Justamente por isso, este filme sobre o autor de. O Senhor dos Anéis e da terra-média, deve decepcionar o público dos livros.
John Ronald Reuel Tolkien (Nicholas Hoult) é um tenente inglês na Primeira Guerra Mundial que segue pelas trincheiras em busca de um amigo de infância. A jornada o faz se lembrar desde a infância, quando perdeu a mãe, até os estudos em Oxford, onde criou línguas inteiras. Na tentativa de criar as culturas para acompanhar os idiomas inventados, ele viria a criar o universo mágico das obras dele.
E na produção dirigida por Dome Karukoski e escrita por David Gleeson e Stephen Beresford, tudo serve para o momento em que ele escreveu a famosa frase que abre o livro O Hobbit. A dupla de roteiristas recria as situações com honestidade de cada ponto da vida de Tolkien, sem deixar de exaltar a importância dos amigos, da faculdade, dos professores e da esposa Edith Bratt (Lily Collins).
No entanto, os escritores do filmes estão tão focados em momentos importantes para a escrita de Tolkien, que parecem esquecer que devem contar uma história. Em certo ponto, sem nenhum aviso de mudança de tempo ou das condições das vidas dos personagens, é dito que ele teve filhos. Sem que nenhum deles seja apresentado ou ganhe relevância na trama. É revelado que ele tem se focado demais no trabalho e ficado ausente de casa.
O drama familiar não é retomado pelo filme. É apenas mais uma das belíssimas cenas fotografadas por Lasse Frank Johannessen, que permeia cada frame com contraluzes fortes e com tons amarronzados. A produção inteira parece uma foto antiga em movimento. O contexto familiar é apenas um ponto importante para que Tolkien queira reforçar o contato com a prole ao inventar a história de um livro infantil, que se tornaria O Hobbit.
Assim, de capítulo em capítulo da vida do objeto de estudo, Karukoski dirige com eficiência as perdas e os ganhos do homem real. Ele usa de um estilo clássico sem inventividade. Nas cenas românticas, se aproxima para mostrar a intimidade, enquanto nas de diálogos divertidos, abre espaço para a abrangência dos personagens felizes, com rápidos cortes de reações dos amigos que riem das brincadeiras.
Para os fãs da obra, Tolkien é um prato cheio. É possível ver de onde ele tira inspirações para palavras, para narrativas e para vários elementos da terra-média. Em uma das belas cenas do filme, ele e Edith buscam a história por trás de uma palavra inventada por ele na hora. Nasce, ali, um local fantástico para os livros dele. É empolgante, inclusive, para quem gosta de escrever. Dá vontade de voltar para casa e tentar retomar aquelas ideias paradas há tempos.
Para viver Tolkien, Hoult revela mais uma vez a versatilidade como ator. Altera a entonação da voz e consegue revelar em olhares perdidos, as três paixões do personagem: Edith, linguagens e os amigos de infância. Collins, infelizmente, tem o papel repetido da esposa inspiradora de tantas biografias, mas consegue dar camadas para a mulher real. Especialmente em certo ponto quando os dois são forçados a se separar, e ela esconde olhadas discretas para o amado quando não deveria demonstrar mais gostar dele.
Com um foco específico, Tolkien consegue fazer algo que a maioria das cinebiografias nem tentam, e conta uma história. No entanto, uma coerência maior entre os episódios do crescimento pessoal e profissional do autor ajudariam a fazer um filme de ritmo mais envolvente.