Através do filme Trapaça, um dos personagens coadjuvantes tenta constantemente contar uma história para um dos protagonistas. Todas as vezes, o personagem ouvinte o corta no meio da história tentando entender sem conhecer tudo. A situação se repete diversas vezes, vira uma piada frequente e serve para explicar o que é o personagem. Ele se acha tão inteligente que se precipita sem realmente entender as coisas ao ser redor.
É apenas um exemplo de um filme que sabe construir seus personagens através de situações bem construídas, e não através de falas expositivas. Não é a toa que Trapaça vai chamar bastante atenções pelos próximos meses.
Na trama, Trapaceiro e amante são pegos em armadilha do FBI. Para sair com a ficha limpa, concordam em participar de quatro golpes para prender outros trapaceiros como eles.
Logo na primeira cena de Trapaça vemos o personagem do Christian Bale, Irving Rosenfeld, cuidadosamente escondendo a careca com pedaços de uma peruca e penteado falso. É com muito esmero que ele tenta esconder cada um de seus defeitos. Seja a careca ou a barriga. Com esse mesmo cuidado, ele cria as farsas ao redor de suas enganações.
Por isso mesmo é fácil de compreender porque ele fica tão desesperado quando o agente do FBI no comando da operação resolve aumentar a escala do golpe a ser feito e o número de criminosos. Rapidamente passa de um trapaceiro pequeno para um político, depois um grupo de congressistas, eventualmente para toda uma gangue da máfia.
O problema é que, neste grande esquema de corrupção e roubo, as vítimas do golpe organizado com o FBI não são pessoas tão ruins assim. O político é um homem de família, que realmente parece se importar com as pessoas que representa e está aceitando o dinheiro apenas porque sabe que dará a abertura para mais empregos em sua cidade.
Surge daí uma reflexão muito interessante. Diversos dos crimes prestes a serem flagrados são feitos para um fim maior. Criarão empregos, revitalizarão um estado, estabelecerão contatos que aumentarão a economia do lugar e auxiliarão uma população que passou por dificuldades.
Se os fins justificam os meios, é difícil dizer. O fato é que existem peixes maiores e mais perigosos a serem capturados no meio político. Isso isenta os menores? Talvez o agente da lei que não se importa em verificar o mal de suas apreensões porque sabe que vai crescer na carreira seja pior que os bandidos que quer prender.
O fascinante do filme é ver Irving passando por todos esses questionamentos à medida em que tenta se livrar da pena por seus crimes passados. Quanto mais ele se envolve no esquema do agente do FBI, mais difícil sua situação vai ficando. A princípio queria apenas não ser preso, eventualmente sua vida e das pessoas ao seu redor ficam em risco.
O. Russell ambienta o filme na década de 1970, com direito a óculos escuros gigantes, ternos multicoloridos, decotes absurdos em vestidos colados e curtos e permanentes para enrolar cabelos. É de uma breguice inacreditável. A moda do período parece a coisa mais feia do mundo.
Acrescentando luzes quentes às roupas provocantes, o clima de sexualidade é forte. Ainda mais com a Jennifer Lawrence e a Amy Adams exibindo seus corpos espetaculares dentro dos figurinos.
O. Russell coloca os personagens irrequietos. Em meio a tanta confusão, eles passam por seus dramas pessoais de forma exagerada. Gritam, ficam nervosos, choram. Lembra muito o estilo melodramático que o Martin Scorsese acrescentava aos filmes de seu auge.
A trama é contada através de muitos detalhes pequenos, como um esmalte, por exemplo. Para conseguir fazer com que tudo seja lógico e o espectador não fique perdido é preciso um diretor talentoso. O. Russell arquiteta as cenas com habilidade sem perder o foco, o ritmo e o suspense. Ainda faz rir muito com frequência.
O Christian Bale se revela um ator digno de comparações ao Robert De Niro. Musculoso em um filme, no outro ele fica esquelético, agora ele está uma bola de gordura. Sua barriga está constrangedora de grande. E não é maquiagem, ele realmente engordou para o papel. Acrescentando a tudo isso trejeitos diferentes de tudo o que ele já fez antes.
A Amy Adams é uma potência em cena. O jogo de enganações vai ficando cada vez mais complicado, mas o que mais a preocupa é a relação com Irving. Sem contar que ela tem algumas cenas de nudez bastante corajosas. Que ruiva bonita e talentosa.
Jennifer Lawrence não fica muito atrás. Interpretando uma esposa traída e um tanto maluca, seus momentos de gritaria, choro e extrapolação são ótimos. Apesar do exagero da personagem, sua interpretação nunca parece fora de lugar.
O Bradley Cooper está muito bem. Tem alguns pequenos detalhes de seus movimentos que são ótimos, mas ele não parece estar à altura do resto do elenco. Enquanto o Jeremy Renner surpreende. Depois de tanto tempo apagado nas várias produções de ação que tem feito, o ator está ótimo como o político de bom coração.
O Louis CK também está no filme em um papel sério que parece ter sido feito para ele. Utiliza de seus trejeitos para construir um personagem correto, de onde o humor surge exatamente de suas falhas comparado com os enganadores ao seu redor.
Vale também comentar uma participação rápida de uma lenda da atuação brincando com a imagem do Martin Scorsese. É hilário e tenso. Um dos melhores momentos do filme.
GERÔNIMOOOOOOOOOO…
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