Desde o lançamento de True Detective, aquela frase odiável passou a se repetir: “Você precisa assistir essa série”. Na linha de coisas necessárias que não são verdadeiramente obrigatórias, True Detective entrou na lista de prioridades não por conta do sucesso ou do fato de que todo mundo gosta da série. Mas por conta das referências ao Rei de Amarelo, dos atores que concordaram em fazer apenas uma temporada e das inúmeras discussões sobre filosofia acerca dos símbolos e significados da trama.
Os ex-detetives Rust Cohle e Marty Hart são chamados para depor sobre uma investigação conduzida por ambos 17 anos antes. O caso envolvia uma jovem assassinada, violentada e abandonada com o corpo cheio de marcas, uma coroa com chifres, nua e amarrada. Apesar do enredo base ser a investigação e a tentativa de descobrir o(s) culpado(s), True Detective é sobre os dois personagens principais, Rust e Marty, e as filosofias que eles representam.
Nic Pizzolatto, criador e roteirista da série, tem um histórico como escritor bem sucedido. A estreia nos roteiros se deu com a série The Killing, que serviu de experiência para escrever sobre investigação criminal. Daí ele partiu para o autoral ao escrever os oito episódios de True Detective. A trama se constrói ao redor dos diálogos de Rust e Marty. O primeiro teve uma vida de tragédia que o levou a ser o que ele próprio descreve como realista, mas pessimista de um ponto de vista filosófico. O segundo é o oposto, preso a ideais conservadores, acredita que os valores tradicionais definem o homem.
Rust carrega suspeito. Passado sombrio e pessimismo.
Daí as interações entre ambos vira peça fundamental da história. Rust é o homem que não crê, mas é muito mais profundo e até mesmo espiritual graças ao cinismo. Marty abraça tudo o que o mundo apresenta para ele, seja religião, casamento, sexo, patriarcado, paternidade e, na falta de pensamento crítico, não tem a mesma profundidade do parceiro. Para outros pessimistas, como o autor deste texto, fica fácil ler alguma tendência favorável para o lado de Rust na série. Mas Pizzolatto é equilibrado e demonstra que não existe resposta correta. Tanto Rust quanto Marty estão certos e errados em relação a diversas coisas, os dois possuem momentos de bondade e de maldade e as vidas de ambos são repletas de escuridão e esclarecimento.
É onde surge o brilhantismo do texto de Pizzolatto. Em um diálogo entre Rust e Marty, o primeiro zomba de pessoas fiéis a religiões. “Se a única coisa que mantém uma pessoa decente é a expectativa de recompensa divina, então irmão, essa pessoa é um merda” ele reflete ao ver um culto. Marty responde que consegue ver um grito de desespero nas palavras dele. Apesar da suposta ignorância de aceitar a ilusão de um deus, Marty sabe que existe paz nisso. Rust concorda, só não gosta que essa paz venha de mentiras.
De pequenos diálogos do estilo, Pizzolatto tira analogias sobre as filosofias representadas pelos dois relacionadas a diversos assuntos: casamento, morte, paternidade, sexo, religião, moral e tudo o mais que as pessoas precisam confrontar na vida. Funciona muitíssimo bem até o quarto episódio, quando a trama de detetive vira uma grande conspiração. Do meio para o final, True Detective parece esquecer de desenvolver os personagens e se foca apenas na plot que funciona como base para o objetivo principal.
Imagens e símbolos refletem os significados da trama.
A direção é ótima e não força momentos rápidos ou mal conduzidos para acelerar o ritmo como quase todas as séries fazem. A fotografia é exuberante e retrata o sul dos Estados Unidos de maneira bela. Remove os tons quentes ao diminuir a saturação. O céu fica cinza e sempre se sobressai sobre o mundo.
Rust talvez seja a melhor interpretação da carreira de Matthew MaConaughey. Uma pérola em meio a um mar de joias de atuação. Por mais que o Rust dele ofusque o Marty, a interpretação do Woody Harrelson como o parceiro mais truculento é primorosa. O elenco feminino é espetacular. Michele Monaghan está estupenda como a esposa de Marty. Até a fraquinha (porém bela) Alexandra Daddario brilha com uma participação forte.
Muito mais que uma história seriada na qual os criadores não sabem pra onde vão, True Detective é uma obra prima da televisão estadunidense. Se é obrigatório? Não, porque nada é. Mas é um proveito garantido para quem quer que assista.