Rodrigo Sant’Anna é a nova aposta da Globo Filmes como comediante de sucesso no cinema. Depois de sucessos com o “gordo que emagreceu”, como o Leandro Hassum é reduzido neste filme, Sant’Anna é dono de um humor mais ácido e sem resquícios de pudor. Também é um dos líderes da comédia na emissora como canal de TV. É quase uma prova de fogo descobrir se ele é capaz de manter o padrão de renda das produções do gênero que contam com envolvimento da empresa.
Denílson (Rodrigo Sant’Anna) é um camelô de rua que recebe uma recompensa do pai que não sabia ter, Damião (Stepan Nercessian), rico criador de uma franquia de venda de eletrodomésticos. Agora dono da empresa e de todos os bens, Denílson precisa lidar com os novos parentes que pretendem roubar a herança dele ao mesmo tempo em que se apaixona pela meia-irmã de criação, Sofie (Carol Castro).
Um Suburbano Sortudo brinca descaradamente com as incoerências de interação entre os ricos e os pobres. Zomba de estilos e manias das classes para criar uma reflexão. Talvez a melhor solução para as diferenças seja a união e a aceitação. As interações cheias de conflitos entre Denílson e os novos irmãos e tios servem para representar como a intolerância é negativa tanto para as classes com mais acesso ao dinheiro, quanto para as com menos. Com o obrigatório humor escrachado das produções da Globo Filmes.
Imediatamente ficam óbvias outras características de produção da Globo. Tudo é “brega”. Se a pessoa é da classe média para a pobreza, a direção de arte faz questão de deixar todos com roupas, cortes de cabelo e objetos com tantas cores que beiram a megalomania. Se a pessoa é rica as cores são preto e branco, mas têm comportamentos exagerados de vilões unidimensionais. Riem alto por tempo demais. A trilha sonora envolve o arquivo musical da Globo e precisa comentar cada momento com toques rápidos e preguiçosos. Se as cenas dramáticas são mal construídas, a música tosca e fora de contexto apenas as deixam piores. Os comediantes ganham tempo de filmagem para improvisar piadas à vontade e repetem o padrão de grosseria sem graça com direito a machismo e homofobia.
Denílson vai à praia com Sofie, ele usa uma bermuda longa demais, multicolorida e com a cintura levantada acima do umbigo. Já os parentes ricos e elegantes caem na risada como bruxas de contos de fada quando percebem que existe uma forma de roubar a herança dele. Quando Denílson e Sofie têm um momento romântico, a música muda bruscamente para toques de teclado melodramático, o que remove o espectador do momento. Sofie leva Denílson para um restaurante de comida natural (leia-se vegana) e a câmera deixa Sant’Anna ter tempo de tela para improvisar coisas como “Se fosse bom, existia rodízio de salada”.
É um padrão do diretor Roberto Santucci dar espaço para os humoristas dos filmes que ele dirige. Normalmente não funciona porque os participantes não são engraçados, mas Rodrigo Sant’Anna é um ponto fora da curva. Ele realmente consegue criar boas sacadas, como a piada do rodízio de salada e outras nas quais ele zomba de sertanejo universitário e de filmes nacionais prepotentes (dois momentos genuinamente engraçados). Apesar de construir o personagem em cima de estereótipos de pobre ignorante, malandro e preconceituoso. Nas primeiras cenas com Sofie, ele vai da grosseria de pedir para ela chupar a língua dele para chamá-la de rabuda e coxuda. Ela, obviamente colocada no filme apenas para ser o par romântico dele, vai esquecer tudo isso quando for conveniente para que a trama ande.
Depois de preparar o território inicial com tantos estereótipos, o roteiro surpreende ao possuir uma estrutura minimamente boa, com divisão de atos, incidente incitante, desenvolvimento de conflito, crise e clímax. Essa qualidade talvez se dê, mais uma vez, à presença de Sant’Anna no texto. Se ele consegue improvisar uma boa comédia de vez em quando, todos os outros atores e comediantes estão melhor quando seguem à risca o humor do roteiro e não quando improvisam. Sobra pro Victor Leal (da companhia de teatro Melhores do Mundo), que improvisa mal com o vilão Luiz Otávio quando precisa falar mal de pobres, mas é hilário quando as piadas vêm do texto.
A outra grande diferença de Sant’Anna é que o humor dele vem da ideia da “ascensão da classe C”. Ao contrário dos filmes do Leandro Hassum, que são preconceituosos com os pobres, Sant’Anna sugere que existe crescimento humano quando os pobres e os ricos se misturam socialmente. Apesar de, no final, quase todo mundo ter uma resolução romântica através de sexo e até traição. Até os vilões encontram finais sexuais com algum pretendente pobre, na maioria interpretados muito bem por Sant’Anna.
Em meio a essa evolução de texto e de ideologia, até Santucci parece mais inspirado para dirigir. O diretor normalmente deixa a câmera em cantos dos enquadramentos para capturar a ação e pronto. Aqui ele se dá ao trabalho elaborar sentidos de direção de diálogos e até fazer movimentos de câmera (mesmo que sem significados) para as transições de cena. A construção fílmica é mais detalhada e rica.
Sant’Anna é muito bom em se manter em estilos de personagens. Na cena em que se declara para Sofie é possível ver sentimento nos olhos marejados do ator. Talvez seja um desses casos raros de humoristas que são bons para dramas. A Carol Castro está no filme apenas como “gostosa a ser conquistada”, mas a atriz se esforça bem apesar da personagem diminuta. O resto do elenco é péssimo, com exceção do Stepan Nercessian, que vai do ridículo para o sensível em um piscar de olhos sem jamais perder a naturalidade.
Infelizmente, Um Suburbano Sortudo é só mais um exemplar da produção tosca de cinema da Globo. Mas é impossível não sentir uma pontada de esperança com a evolução que salta aos olhos. Os temas, as ideias, o humor, o roteiro e a direção são melhores que o normal. Ainda assim continua grosseiro, preconceituoso, mal montado, com música ruim e reducionista. Ser melhor que algo ruim não faz com que seja bom, mas parece depois de tanta coisa tão pior que veio antes.
GERÔNIMOOOOOOOOO…
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