Um novo Godard, mais um medo de não entender o filme. Já pela imagem acima pode-se notar a diferença desse com Viver a Vida. O outro era em preto-e-branco, feito quase todo de closes e com enquadramentos fechados nos quais os ambientes são pouco explorados. Aqui temos uma grande angular com cores fortes e contrastantes. Ainda é o mesmo Godard, mas é um filme completamente diferente.
Angela e Émile são um casal de Paris que discute se vão ou não ter filhos. Ela quer e ele não. A história é quase um fiapo. Mas serve bem a seu propósito. É sobre relacionamentos, sobre homens e mulheres e suas diferenças. Mas é claro que não é um filme comum.
As cores vermelho e azul formam contrastes fortes. Ela é exuberante e chamativa, ele é frio, bruto e teimoso. As cores que os acompanham durante o filme representam isso muito bem. Angela chega abrupta, se eles não engravidarem, ela vai embora. Ele entra no jogo porque não quer perdê-la ao mesmo tempo em que não quer ter filhos.
As brincadeiras com realidade do diretor estão lá. Eles tem uma discussão no apartamento que não ocorre em ordem cronológica. Mas o diálogo é montado de forma cronológica. Ela diz uma coisa, ele responde. Corta para minutos mais tarde, eles fazendo outra coisa e a resposta lógica dela para o que ele disse antes é dada.
Antes dos personagens começarem a conversa no filme, eles se apresentam para os espectadores. Olham para a câmera e a saúdam. É o Godard sendo o Godard. Ele quebra a fantasia do filme, mas seguindo a proposta estética do próprio. A piada de convidar os espectadores a assistirem os filmes condiz muito com o clima de fantasia que está em toda a obra.
Logo no começo, um amigo dos dois, Alfred, pergunta a Angela o que ela quer. Ela responde que quer fazer parte de uma comédia musical. É o diretor dizendo logo no começo, esse filme é uma comédia musical. A trilha reage a pequenos trechos de diálogo. Quando os personagens fazem piada, ela parece rir com eles. Quando estão triste, ela parece lamentar.
Assim que Angela diz que quer fazer parte de uma comédia musical, sobe uma música dançante e o filme passa para cortes rápidos dela e de Alfred dançando na rua. Seguindo a proposta, o filme segue as brigas do casal no mesmo tom de fantasia. Ela implica que vai engravidar de outro homem, ele chama Alfred para o apartamento para que ela o faça. Quando ela e Alfred entram juntos no banheiro, a fotografia do banheiro reflete os conflitos pelos quais o casal principal passam.
Durante um diálogo, os dois atores congelam, a câmera continua rodando e movendo pelo apartamento. Pausa o tempo sem pausar a encenação. Durante essa parada, créditos aparecem na tela explicando as entrelinhas das ameaças dos dois.
Angela e Émile se amam muito. Mas no momento querem coisas diferentes. Fica bem óbvio que eles vão ficar juntos. Ou pelo menos que não pretendem abandonar um ao outro. Mas suas diferenças os separam.
Ela quer sempre dizer que o ama e que é toda dele, mas para poder sustentar seus argumentos, mente. Apenas porque quer manipulá-lo. Ele é grosseiro em suas respostas porque para ele é simples, ele a quer, mas não quer ter filhos. Eles brigam, se afastam, se beijam, brigam, se afastam, se beijam, brigam…
Representa as diferenças entre os sexos de forma exagerada e fantasiosa. Mostra como a mulher influencia o homem e como o homem luta contra isso. Ela o provoca e ele a enerva.
Godard retoma suas discussões sobre cinema. O azul e o vermelho são cores da França, mas também são dos Estados Unidos. O filme leva a estilização ao ridículo, faz referências musicais dos Estados Unidos em momentos cômicos. Mas é bem direto ao colocar Alfred falando que quer assistir Acossado na televisão. Mais tarde dois personagens questionam a qualidade de Jules e Jim.
Fala bem dos próprios filmes e fala mal do outro diretor da Nouvelle Vague que se aliava ao cinema estadunidense.
Uma Mulher é uma Mulher é um filmão. Divertido, rápido, complexo e interessante. Recomendo até para quem não gosta de Godard.
ALONS-YYYYYYYYYYY…