De vez em quando surgem pessoas falando sobre a relação entre a qualidade de um filme com o roteiro e a direção. Alguns dizem que um bom roteiro sobrevive a um mau diretor, outros o contrário, um bom diretor salva o pior roteiro. Uma Noite de Crime é um caso interessante a se levar em conta nessa discussão.
No futuro dos Estados Unidos, estipulou-se uma data no ano para que as pessoas possam sair nas ruas para cometer qualquer tipo de crime que quiserem. A ideia é que as pessoas expressem seus instintos violentos nesse dia e fiquem em paz pelo resto. Parece ridículo a certo nível, mas permite diversas reflexões e críticas interessantes.
Pessoas ricas tem poder financeiro suficiente para armarem suas casas com barricadas para se proteger. Ou, se quiserem, podem se preparar para sair caçando vítimas e descarregar seus desejos primitivos. Enquanto o número de pobres e desempregados diminui.
Ocorre então, uma literal limpeza social. Se um indivíduo não contribui para a sociedade, como é dito no filme, ele é morto e o país avança mais. Daí surgem mil e uma discussões possíveis. Afinal, morte em larga escala com a desculpa de avanço social já foi um recurso usado com frequência na história da humanidade. Um dos mais famosos sendo o liderado por um certo bigodudo austríaco.
Mas focar só nisso daria no máximo um bom curta metragem. Para sustentar a categoria de longa, o filme acompanha uma família rica que, numa dessas noites se vê alvo de uma gangue porque um mendigo se abrigou em sua casa. Os pais se dizem favoráveis à Noite da Purga porque lhes rendeu uma vida de conforto, mas são forçados a lidar com a realidade por trás de suas opiniões quando precisam colocar na balança a vida de um estranho contra seus ideais.
O filme constrói de forma bem cuidadosa a rotina dessa família, com um filho mórbido e uma filha adolescente e irritada. Tudo vai ser importante mais a frente, o trabalho do pai, as manias do filho, até o namoro da garota. Ao mesmo tempo é tudo clichê. O roteiro é bem estruturado, mas é óbvio.
Tal obviedade fica de lado com todas as reflexões que surgem. Tem de tudo, pessoas querendo matar outras por inveja, por diferenças de opinião, por falta de educação e por aí vai. Poderia seguir vários outros bons raciocínios possíveis, mas decide se focar na questão principal que se dispõe a levantar.
O que pega mesma é a direção. O realizador James DeMonaco faz um bom trabalho em filmar o roteiro à risca. Mas não sabe ser expressivo. A trama leva direto ao momento de virada, quando a família descobre o estranho em casa e todo o inferno começa. A partir daí, DeMonaco não consegue conduzir o suspense.
Todas as cenas que deveriam prender a atenção pela tensão são previsíveis. Sempre se sabe quando um personagem não está em perigo de verdade e vai ser salvo por algo ou alguém. É sintoma de um diretor que não sabe o que está fazendo e se pega repetindo cenas que todos os filmes têm.
Porém, ele sabe fazer cenas de ação. Próximo do final do segundo ato surge uma grande cena de luta que é muito bem feita e conduzida, mesmo que não faça sentido. Eu a chamo da cena das balas infinitas.
O Ethan Hawke segura as pontas como o pai desesperado para proteger seus filhos, enquanto todo o resto da família parece um bando de manequins tentando fazer caretas. O mendigo se sobressai nesse meio. Mas um dos jovens que pretendem invadir a casa rouba a cena com seus trejeitos psicóticos contidos. Infelizmente o personagem é mal aproveitado e sai de cena de forma anti-climática.
É um bom filme até tentar se sustentar apenas pelo suspense. A problemática fica por conta do diretor que não acerta a mão. Ainda é um bom filme saído de um bom texto e dirigido por um péssimo diretor.
FANTASTIC…