O monstro de Frankenstein é um daqueles clássicos do horror que com frequência volta a dar as caras nos cinemas. Não apenas pelo contexto histórico do conto do homem que se tornou obcecado com o pós-vida, mas porque a criatura se encontra no mesmo patamar no gênero em que se encontram o lobisomem, os vampiros e a múmia. Justamente por isso, é raro encontrar alguém que tire algo de novo em alguma releitura.
Durante a revolução industrial, na Inglaterra, um corcunda de circo (Daniel Radcliffe) com conhecimentos avançados de medicina salva a vida de uma trapezista após um acidente em uma apresentação. As habilidades dele são reconhecidas pelo cientista e médico Victor Frankenstein (James McAvoy), que fazia negócios no local. Frankenstein ajuda o corcunda a fugir e lhe dá o nome de Igor, o antigo assistente dele. Os dois passam a trabalhar juntos para descobrir a cura da morte.
Na maioria das versões sobre o insano doutor que dá título ao livro original da Mary Shelley se focam nele e na dualidade entre criatura e criador, monstro e homem. Quem brilha neste filme é o famoso assistente corcunda. As personalidades da dupla que busca trazer à vida o que nunca respirou domina as reflexões propostas pela produção. O filme tenta explicar as razões de cada e como ambos chegaram ao momento da criação do monstro clássico.
É o terceiro filme comercial do roteirista Max Landis. Assim como nos bons Poder Sem Limites e American Ultra, Landis demonstra domínio na hora de tratar de personagens. Cria empatia direta por Igor ao revelá-lo como um corcunda que sofre o preconceito de ser uma “aberração” sem direito sequer de ter identidade. A vulnerabilidade dele cria ainda mais simpatia quando ele se questiona constantemente sobre quem é. Um monstro como as invenções do salvador, ou uma deformidade que não tem lugar no mundo. Landis usa essa identificação com Igor para criar uma admiração por Victor. Como Igor o admira e se sente em divida com ele, o espectador sente a vontade de ver Frankenstein de forma positiva, por mais que ele seja um maníaco obcecado.
Frankenstein encara o vilão Moriar… o religioso inspetor Turpin.
O trabalho do diretor de arte Grant Armstrong trabalha diretamente para reforçar a dinâmica entre os dois. Além da reconstrução da Londres da revolução industrial, o artista usa das cores verde e vermelho para representar a dualidade de Igor. A cidade e as condições da época são escuras, com muitas cores negras, mas Igor sempre usa um misto de vermelho e verde. As mesmas cores dominam os ambientes ao redor dele. Quando o corcunda se aproxima das escolhas emocionais, o vermelho domina. Na hora de ser racional, o verde toma conta. As duas pessoas na vida dele, Victor e a trapezista Lorelei (Jessica Brown Findlay) usam as cores de acordo com a interação com ele. Quando assumem o romance, a garota está embrulhada no mais puro veludo vermelho. Ela pede para que ele repense os perigos de criar vida do nada e as cores das vestimentas dela são verdes.
Dualidade é a palavra chave na produção. Assim que percebe que os seres trazidos à vida por Victor não possuem aquela chama de vida que se nota no olhar de alguém, Igor começa a se ver no lugar dos seres criados pelo mestre. Ele se considera tão monstro e criatura de Frankenstein quanto todas as outras misturas de restos pútridos que voltam a respirar.
O diretor Paul McGuigan cria um ritmo rápido, que dá uma velocidade incomum a um filme com tão pouca ação. Filma rápidas cenas de ambientação para começar os diálogos acelerados nos quais toda a tensão é construída nos planos em close nos rostos dos atores. A fotografia de Fabian Wagner cria desfoque em fontes de luz na distância, com direito a pequenas refrações em materiais e tecidos. O resultado faz com que a imagem seja parecida com a de fotos antigas, com baixa profundidade de foco. Muitos eixos de luz através da composição e um leve desfoque dos atores em cena.
Daniel Radcliffe se entrega a uma ótima interpretação corporal como Igor.
O filme se perde no clímax, onde todas as incoerências do roteiro de repente dão as caras. Tudo em nome de uma grande cena de ação ineficiente. Pessoas aparecem em posições espaciais que não condizem com a situação. Personagens morrem a torto e à direito para que os principais se reúnam na grande luta. E McGuigan se apega ao recurso de câmeras que tremem e closes aproximados demais. É difícil acompanhar o que acontece e os eventos não empolgam porque não representam muito em relação à jornada dos personagens que foi construída até então.
Daniel Radcliffe cria uma interpretação física complexa para Igor. A forma como ele esconde a corcunda do personagem em pequenos trejeitos do caminhar e em leves aumentos do ombro impressiona. Mas a interpretação dele vai além da postura. Ele revela com o olhar perdido e inocente um homem completamente diferente de tudo o que o ator já fez. Talvez seja até a melhor interpretação dele. McAvoy acerta ao criar mais uma versão insana de Frankenstein. O foco dele, porém, não é em gritos tresloucados de uma pessoa obsessiva. O ator retrata em cada expressão a tragédia de alguém que sente culpa e por isso quer reverter o mal que fez ao mundo.
Os trailers venderam mal este Victor Frankenstein. Parecia se tratar de um filme de ação na qual o personagem que dá nome à obra e Igor precisam deter o monstro. Muito pelo contrário, o filme é sobre os eventos anteriores ao que acontece no livro. Tratar das motivações pessoas de Igor e Victor e mostrar a dualidade monstro e humano nos dois é diferente do retrato comum do livro clássico. Uma boa surpresa.
GERÔNIMOOOOOOO…
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