O cartaz de Victória tem a seguinte frase da Variety: “Voe para longe ‘Birdman’. Tem um novo plano sequência na área”. A empolgação para tratar desse vencedor do Berlim de Ouro do ano passado tem motivo. Victoria é uma obra de 134 minutos filmada sem cortes. Ao contrário do grande sucesso do ano passado, que escondia sutilmente as trocas de takes. A dúvida que fica é: trata-se de uma experiência inexpressiva ou de um bom uso de linguagem diferente?
A jovem Victoria é uma espanhola que vive temporariamente na Alemanha. Ao sair de uma festa às quatro da manhã, conhece quatro homens mais ou menos da idade dela. Os rapazes a convidam para um passeio e sem querer a arrastam para duas horas de emoções intensas.
A experimentação de Victoria lembra imediatamente algumas coisas, como a rápida jornada emotiva de Corra, Lola, Corra e a representação de uma juventude transviada de Trainspotting. A diferença aqui, porém, é que o ritmo ultra acelerado e as montagens picotadas daqueles filmes abrem espaço para uma lentidão decorrente do plano sequência.
Sonne paquera Victoria antes que a noite desande.
O filme começa com Victoria, já embriagada, com mais uma dose de vodca pura. O estado dela não é de sobriedade, e o dos homens que conhece é ainda pior. O ritmo devagar criado pela continuidade da falta de cortes simula uma letargia que dialoga muito bem com as sensações do grupo. A abertura é em uma festa de música eletrônica, onde a câmera passa pelos presentes fora de foco até encontrar Victoria e passar a segui-la. A imagem com o jogo de luzes e a música alta criam uma sensação de confusão. É como se o espectador encontrasse com a protagonista e, tão perdido sensorialmente quanto ela, estivesse fisicamente ali durante todo o filme.
Apenas por isso, já seria impressionante, mas Victoria se permite ir além. Da festa ela vai para a rua, o grupo caminha por algumas quadras, entra em um prédio, sobe ao telhado, volta para a rua, entra em uma cafeteria, dá uma volta de carro, passa por tiroteios, pega taxi, entra em um hotel, vai para diversos cômodos. Tudo de forma contínua, com os figurantes que precisam entrar e sair da trama nas horas certas (e são muitos figurantes), com a fotografia arrumada nas localizações certas. Os atores e a câmera têm a necessidade de se posicionar a cada local para que o planejamento da mise-en-scène funcione. Isso porque o Sol nasce no meio da história. Só poderia ser filmado a partir de certo ponto do dia. E como iluminação também precisa ser ensaiada, todo o elenco e equipe tiveram que ensaiar todo o filme em outro dia. Isso se ninguém tiver cometido nenhum erro sério durante a filmagem para ter que cortar e esperar pelo menos 24 horas para começar novamente. É o nível de complexidade da gravação de Victoria.
Boxer, personagem desesperado trará a tragédia para o grupo.
Essa elaboração absurda é relevante para a trama porque a fotografia é significativa. Um personagem, Boxer, explica para Victoria que ele já havia sido preso, a luz cria sombras para esconder metade do rosto dele. Existe um lado sombrio de Boxer que é justamente o que vai fazer com que a noite do grupo vire uma bagunça. Ao mesmo tempo, Sonne, o rapaz que mais se importa com Victoria, está sempre iluminado. Ele está aberto para ela o tempo inteiro.
O diretor e roteirista Sebastian Schipper fez um grande trabalho técnico e narrativo. O maior pecado dele se encontra apenas na estrutura do texto, que tem um primeiro e um terceiro atos longos demais. Mas nem isso incomoda quando se sente todo o caleidoscópio de sentimentos pelos quais Victoria vai passar. Talvez seja a experiência mais diferente que uma pessoa poderia passar num cinema nos últimos meses.
FANTASTIC…