Existe algo peculiar na existência da família real britânica. Mais famosa que as de outras monarquias, eles estão ligados diretamente com grande parte da história recente de todo o mundo. Principalmente porque o país dominou outros diversos, como a Índia e vários locais da África. Por conta disso, a descoberta em 2001 da amizade entre a famosa rainha Victoria (Judi Dench) com um indiano muçulmano foi tão surpreendente.
Ele, Abdul (Ali Fazal), era um humilde trabalhador que foi escolhido para apresentar uma moeda histórica pessoalmente para a rainha por ser o mais alto do local em que era empregado. Depois de viajar quatro meses, ele acidentalmente conquista a amizade da monarca inglesa. A relação, porém, gera intrigas dentro do palácio de Windsor.
Ninguém melhor para adaptar a história para os cinemas que o diretor inglês Stephen Frears, que revelou com A Rainha que compreende como poucos o valor e as pressões do cargo de ter nascido naquela família. Frears faz um drama histórico com o que o gênero demanda: o melhor da direção de arte.
Ajuda muito ter a Judi Dench no filme, em qualquer papel que seja. Não necessariamente parecida com a rainha real, a atriz consegue dar para a personagem a austeridade e rigidez pela qual foi conhecida. Ao mesmo tempo, a Victoria dela tem um lado humano e amável escondido sobre a severidade pública, e poucas pessoas conseguem dar um sorriso encantador como Dench.
Essa naturalidade acompanha os cenários palacianos grandiosos, assim como os ambientes reais, como as montanhas da Escócia. É o grande destaque do filme em termos técnicos. As roupas elaboradas da corte, assim como o cuidado em fazer com que os trajes de Abdul não se desloquem da religião dele, reforçam uma sensação de verossimilhança da produção.
Mas a grande força do filme como um todo se encontra na singeleza da relação complicada entre os dois personagens do título. Complicada porque, na Índia, a população muçulmana era a que mais se revoltava contra os ingleses. Então ter a rainha acompanhada de um seguidor da religião não era bem visto. Ainda mais com o racismo típico do período e a diferença de idade dos dois.
À princípio o roteirista Lee Hall (parceiro comum de Frears) usa de comédia para construir a relação. O humor surge de quanto a relação é inusitada para os membros da corte. Por ser inadequado que ela saiba falar algum dialeto indiano, é engraçado ver membros do séquito real enquanto eles descobrem que ela falou algo na língua do país dominado.
Mas, com o tempo, essas reações cômicas dão lugar para a reação lógica, com ameaças e perseguições a Abdul. O que conduz para um fim melodramático e trágico que até comove, mas parece gratuito. E perde muito da eficácia por focar na figura de Victoria contra a corte. Nada contra dar destaque para Judi Dench, mas enquanto ela confronta as intrigas, o confidente indiano some de cena por muito tempo. Quando chega a vez de sentir pena e se identificar com ele, o sentimento fica mais fraco.
Não há nada de novo em Victoria e Abdul. É apenas uma história real que merecia ser contada. E Frears o faz com eficiência, sem buscar pelo diferente. Garante diversão com o humor na primeira metade e envolvimento com a tragédia na segunda. Tem aquela cara de filme comercial “de arte” feito para concorrer ao Oscar. É bonito e não faz feio, mas não se destaca.