A franquia X-Men é uma das que mais divide os fãs de quadrinhos, de filmes, de super-heróis e da mistura de todas essas coisas. Desde o início, com o filme original de 2000, o público ou ama, ou odeia os filmes do grupo de mutantes. A Fox, também, foi uma das poucas produtoras a fazer séries internas e relacionadas com os personagens fora da Marvel como estúdio. E agora que ela é da Disney, este filme engavetado desde o ano passado, quando foi concluído, chega para dar adeus, ou reforçar esta versão.
Populares entre os humanos devido aos eventos do filme anterior, os X-Men respondem ao chamado do presidente dos Estados Unidos para salvar um grupo de astronautas da NASA em uma missão que dá errado. Durante, uma entidade cósmica assume o corpo de Jean (Sophie Turner), que redescobre traumas do passado e perde o controle. Agora o grupo se divide, enquanto a humanidade entra em pânico mais uma vez.
A saga da Fênix Negra nos quadrinhos é uma das mais adoradas pelos fãs dos heróis, e já ganhou uma versão (um filme horrível) para os cinemas na trilogia original dos X-Men. Depois da revisão temporal com os novos atores, o mesmo roteirista daquele filme, Simon Kinberg, volta para tentar organizar a bagunça. A intenção é dar um rumo adequado para a franquia nos cinemas depois do afastamento de Bryan Singer.
Porém, não é preciso olhar longe para a carreira de Kinberg para notar que ele não é um roteirista de mãos cheias. E isso se reflete no que este Fênix Negra tem de pior, a trama e os desenvolvimentos dela. Se por um lado ele sabe o que os conflitos de Jean e dos amigos dela tem de mais interessante – os traumas de uma garota com distúrbio de personalidade e as culpas que os conhecido dão ou não a ela -, por outro, o realizador parece não saber algumas coisas básicas de narrativas.
Vide a ótima abertura deste filme, em que filma com eficiência o acidente de trânsito que matou os pais de Jean. É possível entender os medos e anseios da menina, e assim, simpatizar por ela quando adulta. Logo em seguida, ele apresenta a cena descrita na sinopse em que os X-Men vão para o espaço. A premissa é tão absurda que até os filmes do Deadpool, que fazem parte da franquia, parecem obras de ficção científica de apuro extremo.
É nesses limites em que Kinberg tramita. Entre excelentes momentos como os questionamentos morais de Hank McCoy/Fera (Nicholas Hoult) sobre vingar ou ajudar, ele coloca uma cena que não condiz com o resto do filme, como a trama paralela de alienígenas. Eles não são coerentes nem com eles mesmos durante a história. Em certo ponto, eles têm um tipo de poder. No outro, têm outros.
Por isso, assistir o filme é uma experiência tão estranha. Em um momento, o que ocorre na tela pode indicar um fim ótimo. No outro, tudo desaba em defeitos inquestionáveis. E o pior é que Kinberg parece ser um excelente diretor. Ele escolhe uma abordagem visual diferente de tudo o que a franquia viu até aqui, com câmeras próximas e enquadramentos que fazem parecer que o espectador está no meio das cenas.
Mesmo assim, ele sabe usar a montagem para que a ação não fique confusa. Toda cena de Fênix Negra é compreensível, mesmo com câmera tremida. Combinado com os efeitos especiais e algumas imagens belíssimas compostas pelo diretor de fotografia Mauro Fiore, o resultado é um apuro técnico impressionante. Fiore garante que os rostos em close não apenas exprimam as emoções dos personagens, como contem as histórias deles nas cenas.
Além disso, os efeitos especiais nunca foram tão verossímeis. Aliados com o tom mais íntimo das filmagens, a ação parece mais bruta e violenta. E também aumenta os riscos de cada momento. Com isso, Fênix Negra se torna o filme dos X-Men com algumas das melhores cenas de ação entre as 12 produções lançadas até o momento.
Por outro lado, a direção de arte abraça totalmente a falta de coerência do diretor. Para dar o tom de ave de rapina para Jean, ele escolhe que ela esteja sempre de sobretudo. Mesmo quando as peças não fazem sentido. Coloca os vilões alienígenas sempre elegantes e com roupas de gala, como uma composição etérea que passa a sensação de falsidade. Outras coisas esquisitas aparecem nos objetos em cena, como um x que brilha com LED nas costas da cadeira de Charles Xavier (James McAvoy). Uma aberração quando se considera que a história do filme se passa em 1992.
Mesmo que os atores tentem entregar o melhor trabalho possível ao roteiro bipolar, as incoerências fazem com que o clímax pareça a abrupto. De repente, os conflitos entre eles, que eram tão interessantes, são deixados de lado a favor de uma trama paralela boba e que não convence desde o começo.
Quando termina, Fênix Negra deixa uma sensação mista. Por um lado, não entedia e até carrega até o fim com uma cadência boa entre boas cenas. Por outro, é impossível não se incomodar com as baboseira que Kinberg coloca no meio da trama. Já foi revelado que a produção do filme foi um pesadelo, com problemas nas filmagens, entre os atores, e até com a mudança de estúdios. Mas é difícil dizer o quanto isso influenciou nos inúmeros problemas de um filme que parece ter uma estrutura e uma idea boa por baixo de incoerências demais.