Se você não faz ideia de que filme é este tal de Podres de Ricos, mas acompanha o cenário cinematográfico estadunidense, talvez o reconheça como Crazy Rich Asians (algo como Asiáticos Loucamente Ricos em tradução ao pé da letra). A produção tomou o mercado da América do Norte de surpresa em agosto deste ano como um sucesso estrondoso de bilheteria.
A história, porém, parece ser um grande clichê romântico. Rachel Chu (Constance Wu) viaja para Singapura para o casamento de um amigo de infância do namorado, Nick Young (Henry Golding). Vai ser a primeira vez que ela conhece a família do amado que. Como se o medo de aceitação não fosse suficiente, ela não sabe que namora o herdeiro da família mais rica do país.
O conflito que se segue também é comum. Ela não é aceitável por ser sino-americana, por ter origem pobre e por não conhecer ou participar da cultura familiar dele. Como o casal pode ter futuro se ela pode ter interesse em dar prioridade para a carreira e, talvez, atrapalhar os negócios ancestrais?
O roteiro segue o padrão de três atos bem definidos. O que não é um problema, mas também não apresenta nada de novo para explicar o sucesso da produção. Na verdade, o texto chega a ter diálogos preguiçosos. Em certa cena, Rachel pergunta pela primeira vez sobre a família de Nick, com mais de um ano de relacionamento. Como esses dois não conversaram sobre isso antes?
O humor também não escapa do lugar comum. Por estar nervosa e em desvantagem, Rachel cai constantemente em momentos constrangedores com a família Young. Como quando ela confunde a matriarca adorada dele com a babá. No entanto, a comédia nunca descamba para o pastelão sem graça típico do gênero. Mesmo o absurdo fica retido a reações plausíveis.
Mesmo a coadjuvante cômica vivida pela rapper Awkwafina segura as maluquices ao ser interpretada com naturalidade. Em um ponto hilário da trama, ela precisa escolher uma roupa rapidamente para uma festa elegante. A atriz e cantora passa casualmente por vestidos marcados com textos como “cocktail” e “pós-transa”, como se aquilo fosse normal para ela, o que faz com que seja ainda mais engraçado.
A fotografia e a direção de arte seguem pelo caminho natural de comédias românticas. A luz torna tudo visível e os cenários e vestimentas abusam da breguice colorida para estilizar os personagens pobres, enquanto enche os ricos de glamour. Apenas Rachel escapa dessas armadilhas por ser a mocinha adorável com quem o espectador deve se identificar.
Até a mãe de Nick, vivida por uma impecável Michelle Yeoh, não foge da vilã típica desses conflitos familiares. Rígida, ela não percebe que é tão injusta com a possível nora quanto sofreu injustiça pela sogra. Yeoh, diga-se de passagem, faz de Eleanor uma mulher que carrega severidade em cada movimento e na postura por saber o tempo inteiro que o faz por amor ao filho e ao legado da família. Diva.
A verdade é que Podres de Ricos é uma comédia romântica que, tecnicamente, é igual a qualquer outra. O que fez dela um sucesso está nos personagens, todos descendentes de, ou apropriadamente, chineses. Vividos por atores chineses ou descendentes. Pode parecer bobagem, mas os asiáticos são reconhecidos com uma das minorias raciais dos Estados Unidos.
E em tempos de representatividade, colocar este elenco em uma trama que seria normalmente retratada por atrizes loiras de olhos azuis tem uma força especial. Ainda mais no atual momento de troca entre os Estados Unidos e a China. Muitos filmes americanos se pagam no mercado chinês, com mais de um bilhão de espectadores.
Parece bobagem, mas assim como Pantera Negra chamou a atenção por dar protagonismo a negros, é inovador dar destaque para asiáticos. O filme apresenta características da cultura deles que antes eram vistos como exotismos distantes. A trilha musiucal, repleta de releituras de músicas clássicas e populares americanas em cantonês, realça essa conexão intercontinental. É possível ouvir belíssimos covers de Beatles, Elvis, Madonna e Coldplay.
Assim, o espectador estadunidense reconhece a música pela melodia, enquanto o chinês compreende as letras. Melhor do que isso, só o fato de que tanto os personagens quanto os conflitos são complexos. Normalmente, no gênero, a mocinha é uma garota sem personalidade para que as mulheres que assistem o filme se coloquem no lugar delas, mas Rachel se impõe sem “desbaratinar” como ocorre com frequência.
Entre os muitos defeitos do lugar comum de comédias românticas bem feitas e de grande porte, Podres de Ricos se adequa àquele discurso de Nina Simone sobre a arte: “O dever de um artista é refletir os tempos em que ele vive.” A obra inova não na forma ou na técnica, mas na reflexão de uma mentalidade atual.