Vampiros são monstros típicos da cultura pop. Desde a invenção das criaturas fantásticas, mil e uma variações surgiram em livros, quadrinhos, filmes, peças de teatro e até músicas. Recentemente eles caíram no ridículo com a versão de nível romântico alto e mensagens mórmons. É nesse cenário que Jim Jarmusch surge para criar sua versão de como esses seres deveriam ser.
Eve e Adam são um casal de vampiros com séculos de idade que resolve se reencontrar para passar um tempo juntos.
Só isso. Essa é a sinopse de Amantes Eternos. Qualquer pessoa vai notar que falta uma coisa aí. Um conflito. Apesar de conflitos serem a base de roteiros de cinema ou de narrativas em geral, eles não são obrigatoriedade. Principalmente para um filme cuja proposta não é contar uma história. O que Jarmusch quer com seu Amantes Eternos é, pura e simplesmente, demonstrar sua versão do que são vampiros.
Para fazê-lo, Jarmusch abre mão de qualquer exposição desnecessária. Tanto que em nenhum momento a palavra vampiro é mencionada por nenhum dos personagens. A única vez que ela é dita, é em um vídeo francês da década de 1960 que é reproduzido durante a fita.
Na realidade, Jarmusch abre o filme revelando como é o relacionamento do casal principal com um toque de brilhantismo. O primeiro take é uma tomada de um céu noturno e estrelado girando lentamente. O movimento faz transição para os dois personagens dormindo sozinhos em locais separados também girando. O movimento dos dois no mesmo sentido sobreposto a um LP girando sob uma câmera estática representa como os dois estão em harmonia mesmo separados. Mais até do que isso, a sequência que segue, mostrando as rotinas deles (ela em Tânger e ele em Detroit) coloca os dois passando por coisas diferentes, mas com enquadramentos idênticos e objetivos em comum. Literalmente revelando que ambos são um casal que age em uníssono, não importando a distancia que os separa. E essa ideia é resgatada no final com uma explicação sobre uma teoria atômica.
Através do comportamento dos personagens e de raras pistas através dos diálogos, se revela um pouco mais sobre o comportamento deles em relação às regras padrões das criaturas. Eles pedem permissão para entrar em uma residência. Fazem trocadilhos constantes sobre a troca do dia pela noite, buscam se alimentar de bolsas roubadas de bancos de sangue e hospitais ao invés de caçar presas vivas e por aí vai. Tudo com bons motivos.
O status de imortais os faz viver lentamente. Adam é músico e lança comercialmente músicas letárgicas que grava lentamente, tocando instrumento por instrumento. Essa letargia é revelada em seus movimentos e na calma com a qual ambos lidam com todos os problemas. A vida eterna é longa e não há motivos para pressa nela. Ainda assim, são capazes de se moverem extremamente rápido caso haja a necessidade, mas esta quase nunca dá as caras.
Adam é taciturno e depressivo. Eve é satisfeita e gosta de curtir o mundo como um todo. Por isso ele usa sempre cores pretas e soturnas enquanto ela usa claras e vividas. O contraste não apenas reflete suas personalidades como também serve de retrato para colocá-los como uma espécie de símbolo constante de yin-yang. Eles são opostos, mas se complementam. Os excelentes diálogos também ajudam, dando a noção de que um sempre tem algum conhecimento sobre o que o outro está pensando.
É bom ver o Tom Hiddleston fora do lugar comum do vilão Loki. Mesmo que ele faça aquele papel com brilhantismo, sua capacidade de criar personagens extremamente diferentes serve muitíssimo bem para o vampiro Adam. Ele é acompanhado pela ótima Tilda Swinton, que faz uma vampira otimista que busca sempre o ponto positivo para cada situação. Sua Eve enche o filme com um ar vibrante de positividade mesmo nos momentos mais macabros, como quando faz uma piada diante de uma situação extremamente visceral.
Wasikowska e Yelchin em cena. Elenco de peso.
O elenco de coadjuvantes é muito poderoso com os nomes da Mia Wasikowska, do Anton Yelchin e do John Hurt. Todos com participações pontuais, que não devem ter tomado muito de seus tempos. Mas todos brilhantes, criando a vivacidade que seus personagens requerem. Mesmo que o vampiro de Hurt seja debilitado, ele tem uma imponência ao dar ironia às suas observações sábias. Wasikowska está maravilhosa como uma adolescente presa à condição eternamente e o Anton Yelchin dá realismo à caricatura da indústria fonográfica que interpreta.
O filme abre mão de ser uma história com começo, meio e fim para ser uma representação muito bem realizada do que Jarmusch acha que vampiros deveriam ser. Cada reviravolta que acontece na trama não é para desenvolver o conflito, apenas para criar os contextos necessários para apresentar os detalhes das criaturas. Mesmo assim, Amantes Eternos preenche suas duas horas de duração melhor que a maioria dos filmes com suas histórias, conflitos e arcos dramáticos.
GERÔNIMOOOOOOO…
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