A melhor forma de continuar aprendendo sobre narrativa é acompanhar pessoas que entendem e estudam narrativa em mais de uma mídia. Eu acompanho o Anthony Burch, roteirista de jogos de videogame. Minha área não é videogames, mas acompanhar os textos de Burch me permite descobrir coisas como os quatro diferentes estilos de reviravoltas narrativas.
Para garantir que os quatro tipos de reviravoltas fiquem claros, darei um exemplo para cada. Porém, o Anthony Burch fez exatamente a mesma coisa. Para falar a verdade, ele fez ainda mais, deu um exemplo em videogames, um em cinema e um em Doctor Who. O que me limita bastante, então vou dar exemplos apenas em cinema e todos diferentes dos dele.
Com frequência, as pessoas criticam positivamente um filme porque se surpreenderam com sua reviravolta. Porém, se analisarmos com cuidado, nem sempre essas reviravoltas são realmente justas ou honestas com o espectador. A boa reviravolta tem que ter a possibilidade de ser previsível, caso contrário, a surpresa é fácil e provavelmente idiota.
Obviamente, a partir deste ponto haverá spoilers.
1 – Twist: O twist é o melhor tipo de reviravolta. Ele é o mais direto e honesto com o espectador. Ele é construído dentro da narrativa, diante dos olhos do espectador. Muitas vezes o segredo a ser revelado no final, acontece na tela muito antes. Ainda assim, nós não sabemos. A beleza está no fato de a reviravolta ter pistas e evidências espalhadas através da narrativa e, quando é revelada, permite ao espectador voltar através da narrativa e ver as pistas fazendo sentido com o final.
Exemplo: A última ajuda de Ben era seu suicídio (Sete Vidas).
Porque é twist: O que sabemos até o final é que Ben está testando o valor de pessoas a quem pretende ajudar. A ajuda através de doações de órgãos. Primeiro um rim, depois medula óssea. De repente, o personagem começa a se apaixonar por uma mulher. Aqui e ali estão espalhadas diversas pistas de que Ben pretende se matar e doar todos os seus órgãos. Mas ficamos tão focados no relacionamento dele com aquela mulher, que não percebemos o que ele vai fazer. Está tudo ali no filme, mas não vemos e a surpresa é recompensadora.
2 – Não twist: O não twist trabalha com enganação. Você acompanha toda a narrativa achando que está recebendo todas as pistas necessárias para resolver o mistério. Então, faltando pouco tempo para o final da história, a pista necessária para entender tudo é apresentada. Em termos de construção narrativa é muito fácil. É claro que ninguém vai adiantar e o final vai surpreender quando não há nenhuma indicação da verdade. É impossível prever e não dá satisfação alguma para o espectador.
Exemplo: Todos os personagens são personalidades de um mesmo homem. (Identidade).
Porque é não twist: Alguém está matando todo mundo no hotel. Enquanto as pessoas vão morrendo, os principais entram em desespero tentando descobrir o assassino. O suspense vai aumentando até que, antes de enfrentar o vilão, o personagem principal descobre que todos são, na verdade, diferentes personalidades de uma mente esquizofrênica. Existem pistas aqui e ali, mas são muito abstratas para compreender o negócio. A pista chave que realmente leva à compreensão só é revelada no último momento, quando sobraram apenas três das personalidades vivas. Impossível adivinhar.
3 – Mentira: Essa é fácil para o contador da história. Em certo ponto, ele coloca uma pergunta na narrativa e mente. Então, na hora da reviravolta, ele revela que era mentira desde o começo. Esta vai ganhar dois exemplos, um negativo e um positivo.
Exemplo negativo: Quem morre no sonho cai no limbo (A Origem).
Porque é mentira: A mentira é um recurso que o Christopher Nolan adora utilizar. Ele cria as regras que regem seus universos e logo em seguida cria uma reviravolta ao simplesmente quebrá-las. Em A Origem, ele vai construindo a lógica do filme com regras até a grande incursão na mente do alvo. Dentre as regras, ele deixa bem claro: “morreu no sonho, você acorda imediatamente”. Então, quando os personagens finalmente começam sua missão, ele explica que, a partir de agora, quem morrer nos sonhos, cai no limbo. Ele fez isso nos filmes do Batman, no O Grande Truque e aqui.
Exemplo positivo: Era tudo um livro escrito pela protagonista (Desejo e Reparação).
Porque era mentira: Quando o filme chega no meio, ele passa a mostrar a história dos dois protagonistas na Segunda Guerra Mundial. Chega então ao final com os dois ficando unidos e a irmã mais nova da mocinha recebendo seu momento de reparação. Então a história pula algumas décadas e é revelado que os dois nunca tiveram aquele final feliz. Era tudo um livro da irmã mais nova. Era uma mentira, porém ela serve ao propósito do filme. O diretor, Joe Wright, admite que queria discutir o direito de dar aos personagens o final que eles merecem. Mas fica bem clara a reflexão sobre culpa e ressentimento.
4 – Non-sequitur: Este é o pior. A reviravolta non-sequitur surge de lugar nenhum e simplesmente não faz sentido. É a demonstração clara de um roteiro sem coerência e coesão.
Exemplo: O policial burro é o maior mágico do mundo (Truque de Mestre).
Porque é non-sequitur: No que é um dos piores filmes do ano passado, acompanhamos um agente do FBI tentando capturar um grupo de mágicos assaltantes de banco. Após ser enganado com truques telegrafados pelo roteiro, fica óbvio que o personagem do Mark Ruffalo é um imbecil. Então o filme chega ao final e descobrimos que ele é o mandante. Seria uma boa reviravolta se fosse apenas isso, mas todo o plot é planejado para ser uma vingança pela morte de seu pai e também para fazer com que os quatro bandidos fossem convidados para entrar em um grupo superior de mágicos que existem além das regras comuns de nosso mundo. Somado ao fato de que ele quase morre em diversas ocasiões e várias vezes não tem ideia do risco que está correndo, não faz sentido ele ser o mandante, assim como todo o resto do filme.
ALLONS-YYYYYYYY…
5 comentários em “As boas e as más reviravoltas.”