Enquanto eu preparava um texto encontrei um vídeo no qual a discussão envolvia o chamado teste de Bechdel. Minha reação, em tempos nos quais feminismo e representação feminina são assuntos em voga, foi “Essa não! Mais um!”. Não me importo com a discussão e com dar valor para as mulheres, mas ficar usando o teste de Bechdel como argumento já está ficando cansativo.
Durante o tal conteúdo que chegou à minha atenção, a pessoa falou algumas coisas interessantes, outras um tanto sem sentido e eventualmente explicou qual é a do teste de Bechdel. Uma mulher chamada Allison Bechdel apresentou o conceito em 1985 afirmando que o último filme que assistiu no cinema havia sido Alien, de 1978. O motivo, o filme passava em seu teste pessoal, que consiste em verificar três coisas dentro de uma narrativa:
1) A narrativa contém mais de um personagem feminino com nome próprio e falas;
2) Pelo menos dois desses personagens femininos dialogam entre si;
e 3) Esse diálogo envolve outras questões além de relações com homens.
Se você parar para pensar, vai perceber que são poucos os filmes que passam no teste de Bechdel. É uma forma interessante de repensar as formas de identificar como um filme pode ou não estar desvalorizando o papel da mulher na sociedade. Porém, o teste é falho e já me incomodava havia algum tempo.
Logo após assistir ao tal vídeo, percebi que alguém mandou uma resposta para a mulher que havia criado o vídeo. Nela estava um link para um texto que ele dizia levantar uma reflexão interessante sobre o assunto. Foi quando descobri um novo teste chamado Mako Mori. O nome vem da protagonista de Círculo de Fogo, filme que exige certa reflexão em relação ao assunto.
Analisemos Círculo de Fogo. Ele não passa no teste de Bechdel. As duas mulheres do filme que possuem nome jamais se falam – inclusive as duas falam línguas distintas. Porém, Mako, a “mocinha”, é uma personagem profunda, autossuficiente, que nunca é tratada como inferior por seus colegas masculinos e toda a trama que a cerca não é formada tendo como base um relacionamento amoroso. Ainda assim, Mako não é uma personagem masculinizada. Ela tem um nível de vulnerabilidade humana com bastante feminilidade.
Considerando essa construção da personagem, fica claro que Círculo de Fogo pode ser mais representante para as mulheres que outros filmes que passam no teste de Bechdel. Pensando nisso, formulou-se o teste Mako Mori. Para fazer o teste Mako Mori em um filme, basta pensar se o filme tem:
1) Pelo menos um personagem feminino;
2) Ela possui seu próprio arco narrativo;
e 3) Esse arco não envolve um relacionamento romântico com um homem.
O autor do texto questiona o valor dos dois testes. O teste de Bechdel verifica expressividade em quantidade de mulheres no universo de uma narrativa enquanto o teste Mako Mori verifica a representação da figura feminina mesmo que essa seja minoria. Nenhum dos dois realmente faz com que um filme seja representação das mulheres na sociedade como um todo.
O fato é que, tanto o teste de Bechdel quanto o Mako Mori são uma distração. Literalmente, o teste de Bechdel impediria as pessoas de perceber a inserção social que ocorre em Círculo de Fogo. O elenco completo do filme não insere apenas as mulheres como personagens interessantes, mas toda uma gama de minorias. O personagem mais icônico do filme é negro, acompanhado por latinos, japoneses, australianos, nerds e um típico herói americano. Fica ainda melhor quando notamos que nenhum deles trabalha sozinho, mas em união para conseguir superar os desafios do filme.
Sem contar que a senhorita Bechdel, se ainda estiver viva, provavelmente perdeu um excelente filme cujas qualidades vão além dessas inserções sociais. O teste Mako Mori também simplifica bastante como essas representações podem ser feitas. A verdade é que os dois não são a chave para que vejamos uma representação social honesta ou verdadeira. Ainda que sejam uma pista de que o filme tratado seja um passo nesse caminho.
Para quem tem interesse, pode ver o vídeo comentado abaixo: [youtube=https://www.youtube.com/watch?v=ioKpGE6Cvag]
Para ver a resposta em texto com a proposta sobre o teste Mako Mori, basta clicar aqui. Tenho dois outros textos dos quais gosto muito que envolvem algumas coisas das quais falei aqui. Um sobre diversidade arbitrária e outro sobre representação masculina no cinema.
FANTASTIC…
Mesmo se não tivesse o nome do autor desse artigo, eu já saberia que foi escrito por um homem. Além do texto não conseguir passar qualquer tipo de empatia, ele desvaloriza os testes que SIM são a chave para filmes e séries com mais representação feminina.
Os primeiros passos precisam ser dados e, acima de tudo, precisam ser valorizados. Os dois testes abrem as possibilidades para quem estiver disposto a analisar como o cinema é uma indústria machista e, por muitas vezes, misógina.
Um homem não precisa achar importante ou não a discussão sobre representatividade feminina porque ela vai acontecer, mesmo que ele ache cansativo.
Os dois testes não são regras, mas são ótimos para fazer refletir.
E sim, a senhorita Bechdel ainda está viva. Faça uma pesquisa melhor antes de escrever suas colunas. Ou apenas pare de escrever sobre assuntos que não representam a sua luta. 🙂
Um abraço.